Velho do Farol

Porque sim.

Velho do Farol

21 de abril de 2006

Telê

Telê SantanaMesmo quando a gente se prepara para o que vai acontecer, não adianta, na hora H é como se tivesse sabido na mesma hora. Não pensei que a morte do Telê fosse me afetar tanto. Um feriado triste, sem dúvida.

Se eu pudesse resumir, diria que aquela seleção brasileira de 1982 foi a minha primeira experiência consciente com a beleza em estado puro. Eu tinha 13 anos. Não faltavam na estante romances e livros de pintura; escutava sempre os discos da mamãe; mas sentir prazer com essas coisas era algo natural, como andar. Eu nunca tinha pensado: "isso é belo, isso faz o mundo se tornar melhor". A beleza imaterial dos passes de Sócrates, Zico e Falcão me fez pela primeira vez refletir sobre isso.

Telê Santana era um gigante como não existem mais no futebol. Olha o clichê aí, não resisto. Um ser humano completo, dentro e fora do campo.

Sobre a tristeza daquela derrota, falo dela nas citações abaixo, mas o que vai ficar é a lembrança de alguém que desafiou a decadência do futebol e a crença vulgar de que o que vale é o resultado, e não o deslumbramento. Porra, sem esse deslumbramento ninguém ia querer ver futebol! O ato de torcer por este ou aquele time é posterior a esse momento mágico.

Comentário meu no Leite de Pato:

Eu era bem novo nessa copa de 82, e foi a primeira que acompanhei inteirinha. Eu tinha a absoluta certeza que o Brasil ia ser campeão, e não consegui continuar a ver o jogo com a Itália depois do terceiro gol de Paolo Rossi. Parecia um pesadelo. Fui para o quarto angustiado, ouvindo a gritaria do pessoal e tentando rezar e pedir apenas que se fizesse justiça. No último minuto alguém jogou uma bola na trave da Itália, parece. Meu coração quase parou. Quando ouvi que não tinha sido gol, comecei a chorar. De verdade.

Perdi minha inocência nesse dia. A gente fica meio perdido quando, na única coisa importante no mundo em que nosso país é incontestavelmente o melhor, a sorte é tão traiçoeira, e os deuses tão caprichosos. Mas, enquanto você, eu e nós outros estivermos vivos, ninguém vai esquecer que aquele time foi um dos maiores times da história do futebol.

Comentário no Tordesilhas.net:

Em 1997 fiz uma viagem por Portugal e Espanha, e fiquei hospedado duas semanas em Barcelona, na casa de uma amiga. Fizemos juntos muitos passeios, e até fomos ao Camp Nou ver Barcelona x Atlético de Bilbao (2 x 0, com gol de Ronaldo e assistência de Giovanni). Um dia estávamos passeando de táxi e passamos em frente a um estádio pequeno, bem menor que o Camp Nou. Eu perguntei a ela que lugar era aquele, e ela respondeu: "é o estádio do Espanyol, o Sarriá".

Eu não tinha me lembrado que estava na mesma cidade onde a tragédia aconteceu. Essa visão fortuita foi suficiente pra estragar aquele meu dia...

por Marcus Pessoa, às 18:19 -

19 de abril de 2006

Pânico no mundo emo

Panic! at the Disco

Se você nunca ouviu falar dessa banda de Las Vegas, Panic! at the Disco, prepare-se, pois em breve eles vão estar em alta rotação por aqui.

Enquanto o disco novo de Morrissey não será lançado no Brasil esse ano, o trabalho de estréia do P!ATD já está em pré-venda no Submarino. A banda é uma sensação lá fora, e se eu fosse executivo de gravadora já teria lançado o disco há muito tempo, pois dá pra sentir de longe o cheiro de coisa vendável.

Não estou dizendo que o disco é ruim. Na verdade ele é bem interessante. Superficialmente pode até lembrar aquele punk-pop padrão MTV (como o abominável Simple Plan), mas a banda tem o que falta a seus congêneres: humor, carisma, melodias vibrantes e arranjos com combinações inusitadas (batidas eletrônicas, por exemplo). Os títulos das músicas são quilométricos, como "The only difference between martyrdom and suicide is press coverage" e "Lying is the most fun a girl can have without taking her clothes off" :^)

A gravadora está vendendo o disco como se fosse emocore, o que suscita algumas questões -- a primeira delas, de que o P!ATD não é emocore.

Esse gênero, aliás (emotional hardcore), não é nada mais que um rótulo, afinal é um som estritamente punk, mas com letras "sensíveis" e não politizadas. Não é um estilo musical, mas a expressão de uma tribo urbana -- que tem se disseminado bastante no Brasil, inclusive.

Quando comecei a ver no Orkut dezenas de comunidade pró e contra os emos, fiquei meio perdido, pois não tinha a menor idéia do que se tratava. Eu nunca conheci pessoalmente um emo! Só entendi que era um pessoal levemente parecido com os góticos, que usava franjinhas no cabelo, munhequeiras, gravatinhas, e cujos integrantes masculinos não se importavam de se beijar em público. Esse artigo de Luís Antonio Giron me explicou melhor a coisa. Tem também essa matéria pautada por ele na revista Época.

As bandas emo mais conhecidas (o já citado Simple Plan, My Chemical Romance, Good Charlotte e a brasileira CPM 22) tocam direto na MTV e são profundamente desinteressantes. Duvido que alguém com mais de 17 anos possa achar (como os emos acham) que a sensibilidade exagerada e a exposição dos sentimentos em público seja algo transgressivo ou revolucionário.

Como vocês podem ver na foto, o P!ATD se adequa ao figurino da tribo, e uma certa proximidade do som granjeou simpatia entre os emos, que já estão apavorados com a possibilidade da banda virar "modinha", e que desse jeito eles vão "até tocar na MTV". Hahaha. Resistence is futile, guys.

The Only Difference Between Martyrdom and Suicide is Press Coverage
(Panic! at the Disco)

Sit tight, I'm gonna need you to keep time
Come on just snap, snap, snap your fingers for me
Good, good now we're making some progress
Come on just tap, tap, tap your toes to the beat
And I believe this may call for a proper introduction, and well
Don't you see, I'm the narrator, and this is just the prologue?

Swear to shake it up, if you swear to listen
Oh, we're still so young, desperate for attention
I aim to be your eyes, trophy boys, trophy wives

Applause, applause, no wait wait
Dear studio audience, I've an announcement to make:
It seems the artists these days are not who you think
So we'll pick back up on that on another page

And I believe this may call for a proper introduction, and well
Don't you see, I'm the narrator and this is just the prologue

Swear to shake it up, if you swear to listen
Oh, we're still so young, desperate for attention
I aim to be your eyes, trophy boys, trophy wives

Swear to shake it up, you swear to listen
Swear to shake it up, you swear to listen
Swear to shake it up, you swear to listen
Swear to shake it up, swear to shake it up

Swear to shake it up, if you swear to listen
Oh, we're still so young, desperate for attention
I aim to be your eyes, trophy boys, trophy wives

Swear to shake it up, if you swear to listen
Oh, we're still so young, desperate for attention
I aim to be your eyes

por Marcus Pessoa, às 15:35 -

18 de abril de 2006

Editors

Editors

Há um tempão que eu queria fazer um post sobre essa banda.

Muita gente reclama desse revival do rock dos anos 80, mas, vamos combinar, a new wave e o pós punk foram os últimos movimentos efetivamente revolucionários do rock. Após os excessos barulhentos dos anos 90, a herança da década maldita está sendo resgatada por uma penca de bandas talentosas surgidas no rastro dos Strokes.

Nesse contexto, os Editors nada têm de revolucionário. Pelo contrário, seu som é bem ortodoxo, tributário de Joy Division, The Fall, Siouxsie and the Banshees e quetais. Mas o ouvinte é conquistado de imediato pela beleza das canções, pelos arranjos criativos com guitarras em primeiro plano, pelo belo timbre do cantor, e principalmente pelo tesão e energia contagiantes.

Seu disco de estréia, The Back Room, só não foi para o topo da minha lista pessoal de melhores de 2005 porque eles lançaram algumas de suas melhores músicas apenas como lados B dos seis (!) espetaculares singles que acompanham o álbum. Assim como os Smashing Pumpkins e o Radiohead, eles têm a mania de esconder pérolas em discos de edição limitada que, em condições normais, só seriam ouvidos por poucos.

Se quiser, baixe aqui (81 MB) uma coletânea que eu montei apenas com músicas que saíram nos singles. A lista das 15 faixas está no final do post, e apenas duas delas foram incluídas no álbum. É pra deixar os queridinhos da crítica (como Franz Ferdinand e Arctic Monkeys) envergonhados.

Bullets (version 2)
(Editors)

If something has to change then it always does
If something has to change then it always does

You don't need this disease, not right now
You don't need this disease, not right now

You don't need this disease, you don't
You don't need this disease, you don't
You don't need this disease, you don't
You don't need this disease, you don't

If something has to give then it always will
If something has to give then it always will

Would you fall down?
Would you fall down?

Playlist da coletânea: 1. Bullets / 2. You Are Fading / 3. Munich / 4. Colours / 5. Blood (single version) / 6. Let Your Good Heart Lead You Home / 7. Heads in Bags / 8. Forest Fire / 9. Bullets (version 2) / 10. Come Share the View / 11. I Buried the Devil / 12. French Disko / 13. Find Yourself a Safe Place / 14. The Diplomat / 15. Time to Slow Down

Coloquei também o belo videoclipe de Bullets no YouTube, confiram!

por Marcus Pessoa, às 18:38 -

16 de abril de 2006

Réu confesso

Tim MaiaTim Maia voltou ao noticiário, agora que seus discos "perdidos" (os dois volumes de Tim Maia Racional) estão sendo finalmente lançados em CD. O primeiro volume já saiu, e o segundo está a caminho.

Pra quem não sabe, são dois discos editados em 1975 e 1976, quando Tim abraçou a doutrina da seita Universo em Desencanto, uma confusa mistura de espiritismo e ufologia. Um relato dessa história você encontra aqui.

Após deixar a seita "batendo a porta", Tim quis esquecer essa fase. Os discos nunca foram reeditados, e suas cópias tornaram-se disputadas entre colecionadores, chegando a valer 400 reais cada uma.

O culto aos discos perdidos avolumou-se de tal forma que parte da crítica hoje os considera os melhores trabalhos do cantor.

O que só demonstra o quanto o poder de um mito pode se sobrepôr à realidade. E também que muitas pessoas com boa informação musical tendem a dar mais valor àquilo que só elas conhecem. Basta ver a turminha indie: fãs que não gostam quando seu artista preferido cai no gosto popular.

Sim, os dois volumes "Tim Maia Racional" são muito bons. Contêm vários clássicos obscuros, como "Imunização Racional (Que Beleza)" (regravada por Gal Costa), "Bom Senso" e "Quer Queira Quer Não Queira". Mas daí a dizer que são os melhores da carreira de Tim vai uma grande distância.

Não dá pra esquecer que, antes dessa aventura anticomercial, Tim Maia já tinha gravado quatro discos perfeitos, de um legítimo soul temperado com ritmos brasileiros (samba, baião, etc), e de uma excelência lírica e melódica sem igual. Ele era sobrenatural como cantor, compositor e produtor. Seus arranjos tinham um charme clássico que normalmente associamos à música norte-americana. Sua voz ia dos falsetes aos graves com grande desenvoltura.

Eu tinha até esquecido do quanto ele era bom. Eu cresci ouvindo os vinis antigos da mamãe, e quando ela me pegou um dia desses escutando os discos "malditos", pediu pra eu baixar os outros, pois estava com saudade. O que me levou a essa incrível comunidade no Orkut, Mp3 Discografias para Download, que disponibiliza de forma bem organizada discos de dezenas de artistas, usando serviços como MegaUpload e RapidShare para download direto, sem precisar de programas P2P.

Ouvir de novo os discos da fase clássica foi uma experiência emocionante e serviu pra colocar numa perspectiva correta os "racionais". Sim, bons discos, mas que se ressentem de uma produção discreta demais e um certo minimalismo nas melodias. Não dá pra comparar com a exuberância de jóias como "Não Quero Ficar" (1971), "Pelo Amor de Deus" (1972) e "Gostava Tanto de Você" (1973).

Peguei os quatro discos (todos chamados "Tim Maia", e lançados entre 1970 e 1973) e montei uma coletânea com 22 faixas, nenhuma menos que ótima. Baixe aqui (61 MB) e veja se eu não tenho razão.

A lista das músicas está no final do post. A faixa abaixo, que abre o disco de 1973, é talvez a que me dá lembranças mais fortes de meus tempos de criança, e um dos melhores exemplos de pop perfeito que posso imaginar.

Réu Confesso
(Tim Maia)

Venho lhe dizer: se algo andou errado
Eu fui o culpado, rogo seu perdão
Venho lhe seguir, vim pedir desculpas
Foi por minha culpa a separação

Devo admitir que sou réu confesso
E por isso eu peço, peço pra voltar
Longe de você já não sou mais nada
Veja, é uma parada viver sem te ver

Longe de você já não sou mais nada
Veja, é uma parada viver sem te ver
Perto de você eu consigo tudo
Eu já vejo tudo, peço pra voltar

Playlist da coletânea: 1. Coroné Antônio Bento / 2. Padre Cícero / 3. Primavera / 4. Risos / 5. Azul da Cor do Mar / 6. Cristina nº 2 / 7. A Festa do Santo Reis / 8. Não Quero Dinheiro / 9. Salve Nossa Senhora / 10. Não Vou Ficar / 11. Você / 12. Idade / 13. Canário do Reino / 14. O Que Me Importa / 15. Lamento / 16. Pelo Amor de Deus / 17. Where is My Other Half? / 18. Réu Confesso / 19. Até Que Enfim Encontrei Você / 20. Do Your Thing, Behave Yourself / 21. Gostava Tanto de Você / 22. A Paz no Meu Mundo é Você

por Marcus Pessoa, às 14:21 -

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