17 de novembro de 2006
Democracia racial? Fala sério.
A Pesquisa Mensal de Emprego sobre Cor ou Raça, divulgada hoje pelo IBGE, é um tapa na cara dos néscios que insistem em dizer que no Brasil não existe preconceito de cor.O discurso é bem conhecido: "o problema dos negros é que são pobres e têm pouca escolaridade, e não o preconceito". O diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, afirma peremptoriamente, no título de seu livro, que não somos racistas.
Matéria sobre o assunto levada ao ar hoje pelo Jornal Nacional (que é editado por um subordinado de Kamel, William Bonner) reverberou o discurso, dizendo que o problema dos negros é a falta de escolaridade e/ou qualificação. Um rapaz negro aparece na fila do sistema de empregos, lamentando-se de que tenta um emprego de serralheiro, mas não consegue porque não é qualificado. Em seguida, uma moça negra com nível superior é mostrada dirigindo equipes numa empresa privada, dizendo que nunca sofreu preconceito.
O problema é que isso é exatamente o contrário do que a pesquisa do IBGE mostra.
É verdade que os negros e pardos têm uma escolaridade mais baixa que os brancos. Estes têm em média 8,7 anos de estudos, enquanto entre negros e pardos a média é de 7,1 anos. A questão parece simples: aumente-se a escolaridade dos negros e resolveremos a problema, certo?
Errado. É claro que negros e pardos com escolaridade maior têm melhor renda que aqueles com poucos anos de estudo. Mas, em relação aos brancos, a diferença salarial aumenta à medida em que sobe o nível de escolaridade.
Os brancos ganham melhor que os negros em todas as faixas, mas entre os trabalhadores menos qualificados (menos de um ano de estudo) a diferença é relativamente pequena: brancos recebem em média 469 reais, negros e pardos 409 -- apenas 12,7% a menos.
Já na faixa mais alta (11 anos ou mais de estudos), a média salarial dos negros é de 899 reais, e a dos brancos de 1.728 -- diferença de assombrosos 47,94%.
Um negro que tenha uma escolaridade média (8 a 10 anos) ganha em torno de 556 reais, e se resolve fazer um curso superior, recebe um acréscimo de apenas 61% em sua renda. Um branco na mesma situação, partindo de um salário de 691 reais, tem um ganho de 149%.
Ou seja, os negros e pardos que chegam ao nível mais alto de qualificação têm ainda mais dificuldade de se afirmarem profissionalmente perante os brancos.
O IBGE declara que não tem como afirmar que essa diferença se deva ao racismo, mas dá pra fazer o tico e o teco conversarem e chegar a uma conclusão, não?
Lembro de ter lido há cerca de dois anos uma carta numa seção da revista Você S/A, voltada para executivos e aspirantes às carreiras corporativas, onde um empregado negro se queixava de que era muito difícil conseguir promoções e benefícios, mesmo quando demonstrava mais competência que seus colegas. O colunista, que com certeza conhece a fundo o mercado, não só não duvidou nadinha da história como disse que o racismo no mundo profissional é um problema de difícil solução. A Você S/A não passa nem perto de ser esquerdista ou coisa que o valha.
O que eu me pergunto é: até quando vamos cultivar essas histórias da carochinha, de que o problema dos negros é apenas serem pobres ou ignorantes? Até quando vamos alimentar esse mito da democracia racial?
por Marcus Pessoa, às 20:33 -