Velho do Farol

Porque sim.

Velho do Farol

19 de novembro de 2006

Rock'n'roll

Cold War Kids

Existe uma lei no mercado musical que diz que as pessoas aprendem na juventude a gostar daquilo que ouvirão pelo resto da vida. Ficam "prisioneiros" de um estilo.

Mas nem todo mundo é assim. O jornalista e DJ Tom Leão conta num belíssimo texto a patrulha que sofreu por abraçar, sucessivamente, o punk rock, os Smiths e a música eletrônica. Eu concordo integralmente com a crítica que ele faz às pessoas que deixam as pedras pararem de rolar e criarem limo.

O Tom escrevia na revista Bizz, devidamente desancada, en passant, pelo Rafael num post sobre a edição brasileira da Rolling Stone. O problema é que a Bizz foi a melhor revista de música dos últimos tempos, e a crítica do Rafael reflete, no fundo, o conservadorismo expresso na tal lei de mercado.

Afinal, a Bizz dava muito espaço a bandas iniciantes e pouco conhecidas. Ela fazia apostas: perdia algumas, ganhava outras. E o tempo todo tinha leitores chatos reclamando do espaço dado aos artistas independentes. É o mesmo pessoal que escuta U2 até hoje, ainda que esteja uma porcaria. Que elogia Bob Dylan até quando ele faz um disco ruim como o desse ano. Que não consegue desgrudar dos Beatles, mortos há tempos.

Tive todos os discos do U2, do primeiro (Boy) ao nono (Pop). E no entanto eu não escuto mais, não só os novos, que são medíocres, como também os antigos, que têm um lugar no meu coração, mas são passado. E quem vive de passado, etc.

O resultado é que fico constantemente prestando atenção em artistas "fora do esquema", que fazem um trabalho melhor do que esses medalhões chafurdando em fórmulas batidas...

Cold War Kids


(não é possível ouvir as músicas pelo feed)

Banda californiana que faz uma música densa e surpreendente. A guitarra às vezes é limpinha como as guitarras de blues, mas quase não tem blues. O piano é onipresente e se presta a brincadeiras atonais. E o vocal tem muita personalidade. O álbum de estréia não é perfeito, mas tem momento apaixonantes.

Peter, Bjorn and John



O trio sueco já está no terceiro disco, mas alcança agora uma certa notoriedade por causa de uma música (Young Folks) tão assobiável que... começa com um assobio. Pop grudento, ensolarado, e ao mesmo tempo contido, lo-fi, que às vezes parece algumas coisas do início do New Order, ou o indie-pop do Postal Service.

Imogen Heap



Imogen é uma cantora inglesa, que já participou do grupo Frou Frou, e neste seu segundo disco solo mescla músicas lentas, rarefeitas, com um pop eletrônico de qualidade. Faz um uso privilegiado de sua bela voz, lembrando eventualmente Cocteau Twins ou Dead Can Dance. E não me falem de Enya, por favor, que eu infarto!

por Marcus Pessoa, às 16:41 -

As Filhas da Chiquita

As Filhas da Chiquita[atualizado] Meu irmão foi ver na edição paulista do festival Mix Brasil o documentário As Filhas da Chiquita, que fala sobre a tradicional Festa da Chiquita Bacana, citada no meu texto sobre o Círio de Nazaré.

A festa existe há mais de 20 anos e é um dos principais eventos do calendário profano do Círio. Como eu disse no texto, muito antes de existirem paradas gay, os homossexuais de Belém já tinham uma festa onde podiam se expressar. Mas ela não tem um caráter de gueto: é enorme, e vai todo tipo de gente.

Infelizmente o filme não tem mais exibições marcadas para São Paulo, mas vai passar no Rio (Centro Cultural Banco do Brasil, dias 21, 22 e 23 de novembro), em Niterói (Centro de Artes da UFF, dia 28) e em Brasília (CCBB, 1º de dezembro). O trailer pode ser visto aqui. Abaixo, a bonita resenha que o André me mandou.

Update: Priscilla Brasil, diretora do filme, nos honrou com sua presença na caixa de comentários, e informou que este ganhou dois prêmios no Mix Brasil: Melhor Filme pelo júri popular e Menção Honrosa pelo júri oficial.

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Foi interessante ter visto o filme na mesma sessão de A outra filha de Francisco, cultuada comédia thrash e paródia de "Os dois filhos de Francisco". O curta-metragem, apesar de cult, tem uma realização totalmente amadora e um fiozinho de história, praticamente uma piada de duas linhas, o que nos dá uns 30 segundos de risadas e longos minutos de enfado.

Depois vem o documentário sobre a festa paraense, e logo na primeira cena se vê a diferença: é cinema de verdade, com uma autora (Priscilla Brasil) que domina claramente a linguagem audiovisual. O filme abre com belas cenas aéreas do Círio, e uma trilha épica, para mostrar que aquilo não é uma simples festa religiosa.

Logo no início, somos apresentados ao Elói Iglesias (1), que é fio condutor de toda a história, e a dois personagens que vão fazer diversos contrapontos em vários momentos: Emília, senhora idosa e muito religiosa que acompanha o Círio de seu apartamento em Nazaré, e Márcio, travesti, cabeleireiro, discreto, religioso. Nós os vemos falando o que significa para eles a devoção à Nossa Senhora de Nazaré, e também cenas de suas participações nas procissões.

Em vários momentos se vê uma preocupação didática, de explicar certos detalhes para que os não-paraenses entendam. Aparece até um mapinha da procissão, com a localização da Catedral, da Basílica e do Bar do Parque. O Elói explica diversos detalhes do Círio e da Festa da Chiquita, e acho que só ficou faltando didatismo quando ele critica a "santa cover", sem explicar direito o que é isso (2).

Eu acho que o documentário consegue captar com grande clareza o caráter totalmente contraditório da Festa da Chiquita. Para uns, ela é praticamente uma continuação do Círio, um espaço que é também de religiosidade, mas de um jeito muito mais divertido. Para outros, é um tapa bem dado na cara da igreja onipresente. Essa atitude bipolar a gente vê até mesmo em diferentes momentos dos depoimentos dos mesmos personagens, em trechos da mesma festa.

A posição oficial da igreja aparece nas palavras de um tal Padre Francisco, e aí não há dúvida nenhuma: homossexualidade é pecado, a festa é uma falta de respeito com a Santa, e ela não tem nenhuma relação real com o Círio. Dona Emília também vai um pouco nessa linha, mas como ela é uma leiga e não uma militante da fé, há um certo espaço para a contradição. Num dado momento, ela se mostra triste por causa da violência que os travestis sofrem na Praça da República, nos dias normais. O travesti Márcio não deixa dúvidas sobre a sua profunda religiosidade, e sua crítica implícita ao escândalo, no que a diretora contrapõe com as palavras de dois travestis que estão se preparando para dar show na Chiquita: elas querem é chamar atenção, levar "boo" (na deliciosa gíria gay paraense).

Uma das melhores cenas se passa dentro da Delegacia de Polícia Administrativa, quando Elói Iglesias vai pedir a licença oficial para o funcionamento da festa. Naquele prédio antigo, estranhamente bonito e decrépito, Elói é tratado pela delegada responsável com um misto de camaradagem e censura, o que é reforçado pelas reflexões dele, nas quais a polícia "é como o pai da gente", que "sabe tudo o que a gente é". Essa é a parte "política" do filme, onde a narrativa detalha alguns entreveros da festa com a lei, e é nesse momento que é mostrado o discurso do prefeito Edmilson Rodrigues quando foi entregar o prêmio Veado de Ouro. O prêmio aliás, também é motivo de uma extensa e divertida descrição.

Da Festa da Chiquita mesmo, não aparecem tantas cenas. Alguns show de travestis, algumas cenas sensuais na platéia, beijos gays, gente embriagada, e só. Mais extenso é o panorama de algumas pessoas antes do Círio e da Chiquita, se preparando para elas. Travestis, gays comuns, e pessoas do povo também. Esse é o único ponto em que eu achei que a diretora perdeu um pouco o fio da meada. Ao dar um grande espaço para o discurso popular, ela ficou enredada nas incoerências e na falta de critério do que dizem essas pessoas comuns. É um verdadeiro samba do crioulo doido, um tanto tedioso (pelo menos para mim).

A palavra que resume o olhar da diretora sobre o Círio e a Chiquita é uma: contradição. Na verdade, eu não estaria exagerando se isso fosse a própria definição de "ser paraense". Sim porque o filme é paraense até a medula. É mais uma prova que existe sim um "paraensismo", um modo de ser paraense que é diferente de ser nortista, amazônida ou brasileiro. O sotaque característico, a pele morena, a religiosidade mariana, a confusão de idéias e conceitos, está tudo lá. Pra mim, é surpreendente que esse olhar tão revelador tenha vindo de alguém de fora.

O filme tem partes muito engraçadas, e não cansa nem um pouco. Ele vai rolando e a gente até se espanta quando vê os créditos finais. Nestes, é dito que o círio foi filmado em 4 anos, de 2002 a 2005, e não houve patrocínio. Sem dúvida, um filme feito com grande esforço e sacrifício.

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(1) Elói Iglesias é cantor de MPB, com alguns sucessos a nível local. É o principal organizador da festa.

(2) "Santa cover" é porque a verdadeira imagem de Nossa Senhora de Nazaré, aquela que foi achada no rio, não é a que sai para as procissões. Ela fica num altar com vidro à prova de balas na Basílica de Nazaré, e durante a festa apenas é tirada do altar -- numa cerimônia chamada Descida da Glória -- e colocada numa berlinda dentro da própria igreja. A imagem que sai nas procissões é uma cópia, chamada de "imagem peregrina", e durante o resto do ano fica guardada na capela do Colégio Gentil Bittencourt.

por Marcus Pessoa, às 03:19 -

17 de novembro de 2006

Democracia racial? Fala sério.

A Pesquisa Mensal de Emprego sobre Cor ou Raça, divulgada hoje pelo IBGE, é um tapa na cara dos néscios que insistem em dizer que no Brasil não existe preconceito de cor.

O discurso é bem conhecido: "o problema dos negros é que são pobres e têm pouca escolaridade, e não o preconceito". O diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, afirma peremptoriamente, no título de seu livro, que não somos racistas.

Matéria sobre o assunto levada ao ar hoje pelo Jornal Nacional (que é editado por um subordinado de Kamel, William Bonner) reverberou o discurso, dizendo que o problema dos negros é a falta de escolaridade e/ou qualificação. Um rapaz negro aparece na fila do sistema de empregos, lamentando-se de que tenta um emprego de serralheiro, mas não consegue porque não é qualificado. Em seguida, uma moça negra com nível superior é mostrada dirigindo equipes numa empresa privada, dizendo que nunca sofreu preconceito.

O problema é que isso é exatamente o contrário do que a pesquisa do IBGE mostra.

É verdade que os negros e pardos têm uma escolaridade mais baixa que os brancos. Estes têm em média 8,7 anos de estudos, enquanto entre negros e pardos a média é de 7,1 anos. A questão parece simples: aumente-se a escolaridade dos negros e resolveremos a problema, certo?

Errado. É claro que negros e pardos com escolaridade maior têm melhor renda que aqueles com poucos anos de estudo. Mas, em relação aos brancos, a diferença salarial aumenta à medida em que sobe o nível de escolaridade.

Os brancos ganham melhor que os negros em todas as faixas, mas entre os trabalhadores menos qualificados (menos de um ano de estudo) a diferença é relativamente pequena: brancos recebem em média 469 reais, negros e pardos 409 -- apenas 12,7% a menos.

Já na faixa mais alta (11 anos ou mais de estudos), a média salarial dos negros é de 899 reais, e a dos brancos de 1.728 -- diferença de assombrosos 47,94%.

Um negro que tenha uma escolaridade média (8 a 10 anos) ganha em torno de 556 reais, e se resolve fazer um curso superior, recebe um acréscimo de apenas 61% em sua renda. Um branco na mesma situação, partindo de um salário de 691 reais, tem um ganho de 149%.

Ou seja, os negros e pardos que chegam ao nível mais alto de qualificação têm ainda mais dificuldade de se afirmarem profissionalmente perante os brancos.

O IBGE declara que não tem como afirmar que essa diferença se deva ao racismo, mas dá pra fazer o tico e o teco conversarem e chegar a uma conclusão, não?

Lembro de ter lido há cerca de dois anos uma carta numa seção da revista Você S/A, voltada para executivos e aspirantes às carreiras corporativas, onde um empregado negro se queixava de que era muito difícil conseguir promoções e benefícios, mesmo quando demonstrava mais competência que seus colegas. O colunista, que com certeza conhece a fundo o mercado, não só não duvidou nadinha da história como disse que o racismo no mundo profissional é um problema de difícil solução. A Você S/A não passa nem perto de ser esquerdista ou coisa que o valha.

O que eu me pergunto é: até quando vamos cultivar essas histórias da carochinha, de que o problema dos negros é apenas serem pobres ou ignorantes? Até quando vamos alimentar esse mito da democracia racial?

por Marcus Pessoa, às 20:33 -

14 de novembro de 2006

Me engana que eu gosto

Obrigado por Fumar (Thank You for Smoking) é uma das melhores comédias do ano. O filme de Jason Reitman mostra a vida de Nick Naylor, lobista da indústria do cigarro, cujo trabalho é mostrar que esta não é tão ruim assim.

O filme não defende o tabagismo, e os magnatas do fumacê são mostrados de forma bem sarcástica. Mas vemos a hipocrisia dos críticos do cigarro, e um panorama do complexo jogo de pressões e convencimento da sociedade norte-americana.

O assunto principal, aliás, não é "cigarro", e sim "convencer o público". Pra isso vale tudo, e Naylor usa um arsenal de truques retóricos junto a redes de TV, comissões do Congresso e até entre usuários comuns. Ele é o funcionário modelo, que veste a camisa de sua empresa e tenta convencer a fumar jovens incautos em vôos da classe econômica.

Algumas das cenas mais interessantes são quando ele tenta justificar seu profissão para seu filho pré-adolescente, Joey. A cena abaixo não é particularmente engraçada, mas é muito relevadora: Joey aprende como vencer uma discussão sem ter razão.


O garoto participa do clube de debates no colégio, uma tradição norte-americana, onde os alunos se destacam por seu brilho argumentativo, independentemente da tese que escolham para defender. Gerações inteiras cuidadosamente adestradas para distorcer e desvalorizar os argumentos contrários.

Mas não é porque os gringos levaram a falácia a um nível quase científico que isso é exclusividade deles. Falácias são uma prática universal, tão disseminada que a maioria das pessoas as usa sem perceber. E a quantidade de truques retóricos disponíveis é enorme: um texto do professor Fredric Litto cataloga 45 deles -- e ainda ficou faltando coisa.

Arthur Schopenhauer é um pouco mais modesto: seu opúsculo sobre a dialética erística (que na edição da Martins Fontes ganhou o nome de A arte de ter razão) analisa "apenas" 38 técnicas, mas de forma mais aprofundada.

Aliás, fujam da edição que a Topbooks fez do mesmo livro, chamada "Como vencer um debate sem precisar ter razão" e recheada de notinhas pentelhas do astrólogo Olavo de Carvalho -- que não só tenta sequestrar o texto original, como se mostra um dedicado praticante daquilo que diz combater.

por Marcus Pessoa, às 12:06 -

11 de novembro de 2006

Machuca


Todo mundo já deve ter visto, menos o atrasildo aqui, até ontem. Se tem alguém mais atrasildo que eu, alugue este filme com urgência. Machuca não é só um dos melhores filmes já feitos na América Latina, mas uma junção brilhante entre dois gêneros consagrados, o filme político e o romance de formação.

No Chile de Salvador Allende, uma amizade inusitada une Gonzalo Infante, um garoto ruivo e de classe média, e Pedro Machuca, de traços indígenas e muito pobre. Só se conhecem porque, no caro colégio particular onde Gonzalo estuda, o diretor, influenciado pelos ideais socialistas de Allende, admite alguns alunos pobres gratuitamente.

Gonzalo entra na vida de Pedro e descobre uma realidade muito distante de seu confortável mundo burguês.

Ao contrário de alguns filmes políticos brasileiros, onde os protagonistas são gente idealista de classe média, Machuca mostra as coisas como elas realmente são: a elite de um lado, a plebe do outro. Mesmo a amizade de duas crianças não está imune às diferenças de classe, que afloram num momento chave.


Figuras familiares vão se sucedendo: o esquerdista caviar que acha ótima a experiência de Allende, mas quer mesmo é fugir para uma boa vida no estrangeiro; a dona de casa alienada que não entende essa gente estranha que quer igualdade, e acaba se aliando à direita; e os burgueses canalhas de sempre.

Gonzalo observa a tudo atentamente, e vai dando um jeito de crescer no meio desse caos. Ele e Pedro dividem algumas descobertas, e o filme nunca perde de vista o lado humano de duas crianças tentando entender o mundo à sua volta.

E sim, é um filme que toma partido. Até porque, se não fossem as idéias meio bizarras do diretor da escola, nem teríamos essa história para contar. Contra-indicado para indiferentes e cínicos.

por Marcus Pessoa, às 03:25 -

6 de novembro de 2006

Feel good


Este post não tem nenhum propósito especial, a não ser mostrar essa linda versão que a banda Editors (já comentada antes aqui) fez do mega-sucesso dos Gorillaz, Feel Good Inc. A música foi gravada em um especial de rádio e não foi lançada em nenhum disco.

Feel Good Inc
Autor: Gorillaz
Intérprete: Editors

Os Editors, assim como o Placebo, gostam de fazer covers. Além desta, gravaram uma versão magistral de French Disko, do Stereolab, e duas outras (menos inspiradas) de R.E.M. e Talking Heads. O disco de estréia dos Editors e mais um monte de faixas lançadas em compactos estão disponíveis no Arquivo M.

A propósito: parece que os Gorillaz acabaram, o que é uma pena. Damon Albarn, líder do Blur e criador da banda virtual, está mais interessado em outras propostas. Sua nova banda paralela, The Good, the Bad and the Queen, investe no rock psicodélico, já visitado pelo Blur no subestimado álbum 13.

O último videoclipe dos Gorillaz, El Mañana, é tristíssimo e mostra a morte de Noodle, a única menina entre os integrantes virtuais. A banda não fará novas músicas, mas há a possibilidade de um filme de longa metragem dirigido por Terry Gilliam.

por Marcus Pessoa, às 13:45 -

1 de novembro de 2006

Ainda sobre a imprensa

[atualizado] Alguns leitores, principalmente o Homero, têm questionado os meus posts contra a imprensa anti-Lula. Dizem que existe uma parte da imprensa que apóia o presidente: Carta Capital, IG, Caros Amigos.

O Homero chega a falar em "mentiras descaradas" da Carta Capital. Pedi-lhe que as elencasse, e ele não o fez. Já eu posso citar pelo menos três matérias de capa da revista Veja que foram simplesmente inventadas: o dinheiro das FARC para a campanha de Lula em 2002, o "ouro de Cuba", e as contas bancárias no exterior de Lula e outros petistas graduados. As três matérias foram produzidas com base em documentos e depoimentos falsos.

Que a Veja pretende derrubar um governo democraticamente eleito, é óbvio. Já a campanha feita pelos órgãos das Organizações Globo e do Grupo Folha é muito bem camuflada. Ao contrário da Carta Capital, que vende apenas 60 mil exemplares e declarou apoio a Lula, estes dois gigantes da mídia tentam enganar o público, escondendo-lhe que estavam em campanha por Geraldo Alckmin.

Em 1954, a grande imprensa estava prontinha para dar apoio à deposição do presidente Getúlio Vargas. Em 1964, aplaudiu a derrubada de João Goulart. Em 2002, a grande imprensa venezuelana (e também a brasileira) apoiou igualmente a tentativa de depor o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

Com todo esse histórico golpista, vêm os críticos de Lula dizer que ele é que é autoritário, por causa de algumas perguntas ríspidas de um delegado federal a jornalistas da Veja.

O sempre polêmico Alon Feuerwerker levantou a tese esdrúxula de que jornalistas não podem ser obrigados a prestar esclarecimentos perante a polícia. Aparentemente, estão num patamar que não é reservado a nenhum outro cidadão.

A confusão entre a PF e a Veja é, com certeza, um desgaste desnecessário e uma mostra de inabilidade política, mas dizer que é um atentado à liberdade de imprensa é um baita exagero. Nada foi feito contra a lei, e havia advogado e Procurador da República acompanhando o depoimento. A Veja está claramente tentando usar politicamente o episódio.

Todas as vezes em que é criticada, a imprensa reage chamando de autoritários os seus críticos. Na prática, considera-se intocável. Quando a própria imprensa aponta os seus erros, é um deus-nos-acuda.

A Rede Globo ficou tão preocupada com a matéria da Carta Capital mostrando as manipulações pré-eleitorais a respeito do dossiê, que obrigou seus jornalistas a assinarem uma nota desmentindo a matéria:

O abaixo-assinado foi escrito a pedido da cúpula do jornalismo da emissora e teria circulado pronto na redação para a coleta de assinaturas. A responsável pelo texto seria a própria Mônica Maria Barbosa. No dia em que as assinaturas estavam sendo coletadas, houve um princípio de discussão sobre o assunto na redação de São Paulo. Diante dos questionamentos dos jornalistas, Mariano Boni, um dos chefes da reportagem, rebateu dizendo que "quem não estiver satisfeito com a cobertura da Globo que pegue o chapéu e vá para a Record". Do Rio de Janeiro, a editora-chefe do Globo Repórter, Sílvia Sayão, ligou para sua equipe em São Paulo dizendo que "seria bom se os jornalistas assinassem o documento". (...)

Alguns profissionais que antes tinham assinado o documento pediram a retirada de seus nomes –- o que criou um forte constrangimento interno. Como vários jornalistas descreveram à Carta Maior, estava aberta ali a "caça às bruxas" dentro da Globo. "Não se trata de demitir quem não colocou o nome no abaixo-assinado, mas assim eles ficam sabendo com quem podem contar ali dentro", disse um repórter. "Foi um jeito de colocar o guizo no rabo de alguns gatos", disse outro.

Em alguns comentários de profissionais da Globo deixados nas páginas da internet que publicaram o abaixo-assinado fica claro como muitos realmente assinaram de forma espontânea o texto. Outros, no entanto, confessaram depois não ter percebido que isso seria usado como instrumento político pela empresa. Funcionaram como escudo para a chefia do jornalismo da Globo, principalmente para Ali Kamel, que ficou bastante exposto depois das reportagens de Carta Capital. (...)

Na semana em que o comunicado interno foi enviado, um repórter da emissora que trabalha no Rio de Janeiro viu Ali Kamel chorando na redação.

PS: a Procuradora da República que acompanhou o depoimento dos jornalistas da Veja na Polícia Federal disse que não houve intimidação contra eles.

por Marcus Pessoa, às 19:06 -

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