Velho do Farol

Porque sim.

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30 de outubro de 2004

John Kerry, economia e prismas morais

O Paulo, do blog F.Y.I., liberal de carteirinha, comentou o apoio da revista The Economist ao candidato democrata John Kerry. (Nos EUA, onde o vocabulário político é meio estranho, ele seria chamado de "conservador", pois "liberais" lá são a centro-esquerda de Moore & cia).

Ele destacou, em suma: (a) que se surpreendeu pelos motivos da revista inglesa serem mais políticos que econômicos; (b) que apesar das falhas de George W. Bush na economia, a plataforma de Kerry é bem pior, ou seja, protecionista e xenófoba, o que seria emblemático pela escolha de Edwards como vice; (c) socorrendo-se em artigo do economista Steven Langsburg, que não existe diferença moral entre um racista que quer proteger os empregos dos brancos (princípio arbitrário da cor da pele), e um xenófobo que quer proteger empregos de seus conterrâneos (princípio arbitrário do local de nascimento).

Embora respeite as análises dele, divergi frontalmente. Republico aqui o comment que coloquei lá:

* * * * *

Eu acho muito natural que a Economist decida seu voto por questões políticas. Elas mais cedo ou mais tarde influenciam a economia, como por exemplo no caso da política republicana atual (aumento do preço do petróleo, explosão do déficit orçamentário por causa das guerras em seqüência, etc). Quando houve o acordo de Oslo, analistas previram um boom econômico em Israel e na Palestina, afinal quando não existem guerras o povo tem tranqüilidade para trabalhar. Difícil é fazer isso numa situação cada vez explosiva, resultado dessa política unilateral e belicista de W. Bush.

Você diz que Kerry é inconsistente sobre o Iraque, e eu concordo, mas acho que é difícil dizer algo consistente e ao mesmo tempo palatável, diante do caos instalado pela administração republicana e do conservadorismo do eleitorado. E todo mundo sabe que ele tem mais condições de restabelecer as alianças com os parceiros tradicionais dos Estados Unidos e favorecer, por exemplo, uma distensão na Palestina, que é um nó górdio sobre o qual a administração Bush nada fez, a não ser apoiar sem reservas a política israelense. Eu também acho que ele pode ser mais eficaz no combate ao terrorismo, pois não precisará desviar para atalhos (tipo, invasão do Iraque) que em nada acrescentam ao combate à Al-Qaeda (e até pioram as coisas).

Sobre a questão econômica: não conheço Edwards, não sei direito de sua ligação com os sindicatos, mas tenho minhas dúvidas se sua escolha foi uma sinalização de Kerry a respeito de uma política xenófoba. Afinal, o protecionismo comercial norte-americano tem sido sustentado por ambos os partidos ao longo das últimas décadas, e como você mesmo disse, Bush manteve esse viés. Não creio que com Kerry as coisas sejam tão diferentes.

Posso estar errado (e isso significaria prejuízo para o Brasil, por exemplo), mas ainda assim acho que vale a pena apostar, pois a alternativa é colocar pressão numa panela que já está prestes a estourar, em todos os lugares onde a administração Bush está agindo. Eu prefiro decidir pela política, nesse caso.

Por último, quero comentar o texto do Landsburg. Pra mim é um exagero evidente esse de não ver diferença moral entre "defender empregos para brancos" e "defender empregos no país" (e não no exterior). Levando às últimas conseqüências, não caberia às nações lutar para que os empregos permaneçam em seu território! Não caberia lutar para que os seus integrantes tivessem uma vida melhor...

Gostem ou não aqueles que analisam política por um prisma moral, as nações foram construídas em torno da idéia da autoproteção de um grupo. Você e os liberais talvez prefiram analisar a plataforma dos candidatos pelos seus paradigmas ideológicos, mas o fato é que a imensa maioria das pessoas não faz isso.

Não sei se entendi errado o que o Landsburg e você defendem, mas o fato é que um candidato a presidente de qualquer país, por mais honesto, competente, firme de idéias e popular que fosse, simplesmente não se elegeria se defendesse que tanto faz empregos em seu país ou no estrangeiro...

por Marcus Pessoa, às 04:53 -

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