29 de outubro de 2004
O suave bater de suas poderosas asas...
Meu amigo Saint-Clair pergunta, perplexo com a morte do jogador no meio da partida: "Então é isso a morte? Num segundo você está bem, no meio de uma partida de futebol, e de repente estremece, tomba e está morto?"E eu fico me lembrando de uma das mais lindas histórias de Sandman, onde ele acompanha sua irmã Morte em sua faina cotidiana de levar as pessoas desta para melhor. Em determinado momento ela pega um bebê do berço e o leva. O bebê pergunta: "é só isso?" e ela responde: "é".
Sandman está em crise existencial sobre sua própria função no mundo. Mas a forma mansa como sua irmã desempenha seu mister o acalma, e ao final ele faz algumas reflexões:
* * * * *
O som de asas... Eu me descubro especulando sobre a humanidade. A atitude deles quanto à dádiva da Morte é tão estranha... Por que eles temem as terras sem sol? É tão natural morrer quanto nascer. Mas eles a temem. Têm terror. Debilmente tentam aplacá-la. Eles não a amam.
Muitos milhares de anos atrás, eu ouvi uma canção num sonho, uma canção mortal que celebrava a dádiva dela. Eu ainda me lembro dela:
"A morte está diante de mim hoje:
como a recuperação de um doente,
como ir para um jardim após a doença
A morte está diante de mim hoje:
como o odor de mirra,
como sentar-se sob uma vela num bom vento
A morte está diante de mim hoje:
como o curso de um rio,
como a volta de um homem da galera para a sua casa
A morte está diante de mim hoje:
como o lar de um homem que anseia por ver,
após anos passados como um cativo"
Aquele poeta esquecido compreendia as dádivas dela. A Morte tem uma função a realizar. E eu tenho responsabilidades. Eu caminho ao lado dela, e as trevas se levantam da minha alma. Eu caminho com ela, e ouço o suave bater de suas poderosas asas...
por Marcus Pessoa, às 03:37 -