10 de maio de 2005
Arrastando correntes
Eu estava evitando entrar no meme dos livros, mas o Rafael me intimou a participar, então:1. Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
"Satyricon", de Petrarca. Seria interessante ser um sobrevivente de séculos, e encontrar tantos "amigos" nos tempos modernos...
2. Já alguma vez ficaste perturbado/apanhado por uma personagem de ficção?
Minha resposta seria idêntica à do Rafael: Lucien de Rubempré, das "Ilusões Perdidas" (Balzac). Mas eu lembrei de Philip Carey, de "Servidão Humana" (Somerset Maugham), que me fez suar frio e torcer pelo seu destino -- é dele o voto.
3. O último livro que compraste?
"Extinção", de Thomas Bernhard.
4. Os últimos livros que leste?
"Todos os Nomes" (José Saramago), "Alice no País das Maravilhas" (Lewis Carroll) e "Cores Proibidas" (Yukio Mishima).
5. Que livros estás a ler?
"O Idiota" (Dostoievski), "Ecce Homo" (Nietzsche) e "Marajó" (Dalcídio Jurandir).
6. Que livros que levarias para uma ilha deserta?
"As Ilusões Perdidas" (Balzac), "Os Irmãos Karamazov" (Dostoievski), "Grande Sertão: Veredas" (Guimarães Rosa), "Admirável Mundo Novo" (Aldous Huxley) e "As Relações Perigosas" (Chordelos de Laclos).
7. Quatro pessoas a quem vais passar este testemunho e porquê?
Ismael, Leila, Cláudio e Reginaldo. Eles ainda não entraram na brincadeira...
por Marcus Pessoa, às 00:47 -
6 de maio de 2005
Censura de toga
Quem lê as notícias políticas percebe às vezes um abismo entre a importância do fato em si e a dimensão que ele ocupa no noticiário. A edição da malfadada cartilha "politicamente correta", uma bobagem sem qualquer importância a não ser como item do anedotário, foi alçada pelo inspirador deste blog à condição de delírio autoritário -- uma afirmação no mínimo exagerada; pra ser preciso, equivocada e falaciosa.Eu ainda vi gente falando em "novilíngua", que "de cartilha em cartillha eles chegam às leis", como se fosse uma escalada do PT em direção à censura, etc. Uma falácia tão batida que tem até nome: bola de neve. Alguém em sã consciência pode achar que essa cartilha é o início de algum processo de imposição de determinadas palavras pelo Estado? Façam-me o favor.
Enquanto isso, agressões muito piores à liberdade de expressão não geram debate, não inspiram textos indignados, não causam reação. Os piores censores não estão no governo, mas no Poder Judiciário. A decisão da justiça goiana de apreender os exemplares do novo livro de Fernando Morais, "Na Toca dos Leões", é um exemplo disso.
O deputado Ronaldo Caiado pediu a apreensão do livro por causa de uma citação a seu respeito, atribuída a Gabriel Zellmeister, um dos sócios da agência W/Brasil:
"O cara era muito louco. Contou que era médico e tinha a solução para o maior problema do país, 'a superpopulação dos estratos sociais inferiores, os nordestinos'. Segundo seu plano, esse problema desapareceria com a adição a água potável de um remédio que esterilizava as mulheres".
Ou seja, por registrar a afirmação, que nem é sua, Fernando Morais está impedido de divulgar sua reportagem. E o mais absurdo é que ele também está impedido de falar sobre o assunto na imprensa, sob pena de multa de R$ 5.000 a cada declaração que dê.
Causa espanto esse pendor dos juízes em querer proibir livros porque os seus autores desagradam a alguém -- como no caso da biografia de Garrincha escrita por Rui Castro. Há que lembrar aquele episódio deprimente em Brasília, quando um juiz eleitoral mandou um oficial de justiça praticar censura prévia em uma edição do Correio Braziliense.
Ouço poucas vozes falando dessa incipiente "ditadura togada" no Brasil. Mas cada bobagem do circo mundano de Brasília gera um sem-número de debates ociosos.
Nesse caso específico, é também notável a desproporção entre o suposto dano e o "remédio judicial", pois a frase são algumas linhas no meio de um livro de 500 páginas. Sem contar que só a existência da ação e sua divulgação pela imprensa já fizeram a frase ser conhecida por muito mais gente que os potenciais leitores do livro. Uma censura não só truculenta, mas inócua.
O episódio me lembrou de um filme que vi há algum tempo, Beautiful Thing, uma tocante história de amor ao som vibrante das músicas de "Mama" Cass Elliot, ex-líder dos The Mamas and the Papas. Em uma cena hilária, uma das personagens do filme divulga a falsa história de que Mama Cass (obesa crônica) teria morrido entalada com um sanduíche.
Pelos padrões brasileiros de liberdade de expressão, algum herdeiro de Cass podia muito bem nos privar desse belo filme por causa de uma piadinha...
Update às 21 h: o trecho do livro acima citado foi divulgado com destaque no Jornal Nacional. O deputado Caiado não só prestou um desserviço a si mesmo (colocando em rede nacional as palavras proferidas contra ele) como um serviço ao autor e à editora (que tiveram uma propaganda gratuita do livro). O mais engraçado foi a entrevista do juiz, que evitou falar as palavras que já tinham sido divulgadas pela reportagem...
por Marcus Pessoa, às 05:15 -