30 de maio de 2006
Viver, etc.
Grande Sertão: Veredas está fazendo 50 anos.Difícil descrever a sensação de quando o li. Foi assim como um monolito desgovernando me rachando a cabeça. Entre as pausas pra tomar fôlego, só conseguia pensar na minha descoberta pessoal da filosofia -- os pré-socráticos, em cuja época, refletir sobre os problemas básicos parecia algo acessível a qualquer homem comum, e não apenas aos estudiosos.
Ao colocar as questões essenciais da existência na boca de seus matutos, Guimarães Rosa parece dizer que estamos todos perdidos no imenso sertão de nós mesmos. E faz isso de forma bem original, inventando palavras onde o dialeto não dá conta. O leitor nunca saberá exatamente o que é o dialeto e o que é a pegadinha erudita do autor. Assim, a introspecção filosófica torna-se algo natural e nem um pouco forçado.
Os jagunços do sertão estão sempre em situações-limite e só conseguem se aproximar dos mistérios do sertão pelas beiradas. Refletem a condição humana em geral, pois "viver é muito perigoso" não só pra eles, mas pra todo mundo.
Gostei de Daniel Piza, no texto linkado, ter se referido à "tristeza dos cavalos", dentro da experiência prática que Rosa teve no sertão, antes de tornar-se diplomata. Existe uma cena no livro, envolvendo cavalos, que é muito emocionante, de chorar mesmo. Em outro livro, "Ave Palavra", Rosa diz que "amar os animais sobre todas as coisas é o maior sinal de humanidade".
Tive apenas a infelicidade de ter visto a versão em minissérie da Rede Globo antes de ler o livro, e nunca ter conseguido deixar de pensar em Riobaldo e Diadorim com os rostos de Tony Ramos e Bruna Lombardi. Aliás, a escalação de Bruna me pareceu um caso de miscasting: embora Diadorim fosse bonito e delicado, se tivesse o rosto de Bruna seria um homem de beleza sobrenatural, e enfeitiçaria não só Riobaldo mas todos os jagunços ao seu redor.
(via Pedro Doria)
por Marcus Pessoa, às 18:23 -