27 de junho de 2004
O mito da saudade não tem idade
A notícia publicada pela BBC, de que a palavra saudade foi colocada em sétimo lugar numa lista das palavras mais difíceis de traduzir, em todas as línguas, causou alvoroço na blogosfera brasileira. Dezenas de blogs republicaram o texto.Como qualquer lista, esta pode ser questionada, mas o fato de chancelar uma antiga crença brasileira, de que temos uma palavra que é só de nossa língua "e de mais ninguém", fez com que a notícia fosse aceita sem reservas.
Lembro de estar, há alguns anos, numa roda de amigos estrangeiros, alguns conhecedores do português, e citar essa questão da singularidade da palavra "saudade". Para minha surpresa, a maioria achou que o sentido descrito por mim era comum a qualquer língua.
Algum tempo depois, a revista Bravo publicou um artigo de Sérgio Augusto, "Saudades do Brasil", onde ele refuta categoricamente o que chamou de "nosso maior orgulho lexical". Vale a pena ler este longo trecho:
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Foi nas caravelas dos séculos 15 e 16 que a saudade (o sentimento, não a palavra) mais pegou carona; se bem que, em alguns périplos, tivesse outro nome, de origem grega: nostalgia, junção de dor (algia) com a distância da terra natal (nostos). Já no século seguinte, ela (a palavra, não o sentimento), ganharia seus primeiros exegetas, Duarte Nunes de Leão e dom Francisco Manoel de Melo. Se e quanto foram beber em Plotino, "o filósofo da pátria deixada", talvez o primeiro a refletir sobre as inefáveis sensações ateadas pela nostalgia, não sei dizer.
Embaçada por um étimo nebuloso, que remete à solidão latina (solitas) e à melancolia árabe (saudah), saudade foi soidade e nessas duas formas fez sua estréia triunfal em Os Lusíadas. Tal coincidência não nos autoriza a achar que ela fizesse parte do projeto político do descobrimento, até porque os portugueses não foram os únicos a descobrir que navegar é preciso. A vizinha Espanha fez a mesma coisa - assim como, antes dos ibéricos, o fizeram os fenícios, os viquingues, os gregos e os romanos - e nem por isso os espanhós estabeleceram ligações do sentimento de saudade com o imperialismo ou o império castelhano. Mesmo respeitando vários dos intelectuais que consideram a saudade "a tradução poético-ideológica do nacionalismo místico português", como, por exemplo, o ensaísta Eduardo Lourenço, cujo alentado ensaio "O Labirinto da Saudade" já emplacou quatro ou cinco edições pela Dom Quixote, o escritor José Saramago sempre que pode dá um chega-pra-lá na saudologia. Este ele deu na Folha de S. Paulo, cinco anos e meio atrás:
"Parece que se está fazendo de Portugal um país único, privilegiado, com certo tipo de relações com o espaço e tempo. Não estamos sós na história com sentimentos, atitudes e filosofias que nos sejam próprios, decorrentes de termos feito descobrimentos e de sermos um povo com uma relação muito direta com o mar. No interior de Portugal, onde sempre vivemos, há pessoas que nunca viram o mar, nem nunca o hão de ver. A saudade é um sentimento comum a toda a espécie humana".
O que vale dizer que todas as línguas deste planeta têm a sua maneira peculiar de expressar aquela dor que, segundo Elano de Paula, o letrista de "Canção de Amor", a gente não sabe de onde vem. Que superioridade (moral, etimológica, cultural) tem a palavra saudade sobre o banzo dos negros africanos?
Na segunda década deste século (N. do E.: o texto é de 98), a filóloga lisboeta Carolina Michaelis de Vasconcellos não só trouxe a público vocábulos afins a "saudade" garimpados no galego, no castelhano, no asturiano e no catalão, como pinçou em Goethe uma notável familiaridade entre saudade e sehnsucht. Além de provocar polêmicas com aqueles que piamente acreditam numa distinção entre o doce sentimento português e a ansiedade metafísica alemã embutida em sehnsucht, a filóloga caiu nas garras zombeteiras de Camillo Castelo Branco. Mas ela, e não seus adversários, liderados pelo poeta panteísta Teixeira de Pascoaes - para quem "o povo português criou a saudade porque ela é a única síntese perfeita do sangue ariano e semita" (uau!) -, é que tinha razão.
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Posteriormente, o autor se referiu en passant ao assunto em outro texto, publicado no Estado de S. Paulo, e republicado no Digestivo Cultural.
por Marcus Pessoa, às 22:02 -
25 de junho de 2004
Minha casa
O Cláudio Costa, do blog Pras Cabeças, publicou uma foto de satélite da praia de Ipanema, a propósito de falar do site Apolo 11, que divulga dados interessantes sobre geografia e astronomia.Eu, invejoso que só, resolvi postar aqui essa imagem de minha querida cidade, Belém. A gravura foi montada a partir das fotos disponíveis no site do sensacional projeto Brasil visto do Espaço, da Embrapa.
O Marcelo Tas já o divulgou no Vitrine, mas não custa repetir: esse projeto fotografou toda a superfície do território brasileiro, por satélite, e montou mosaicos que permitem uma bela visão sobre a vegetação, relevo e hidrografia do país. Além do site, as fotos estão disponíveis num CD-ROM, e são imperdíveis não só pra quem precisa das informações como pra quem é simplesmente curioso pra ver um retrato "de corpo inteiro" do Brasil.
Como se pode notar, Belém está na ponta de uma península, e uma hidrografia acidentada a deixa um pouco isolada da Baía do Marajó. Isso foi importante para o fundador da cidade, o português Francisco Caldeira Castelo Branco, que construiu em 1616 o Forte do Presépio, marco inicial de Belém, num local de difícil penetração para os invasores franceses e ingleses. A região era estratégica, por ser o limite norte da linha do Tratado de Tordesilhas.
O que era bom na época, hoje dificulta a atividade do porto da cidade. A maioria dos grandes navios aporta em Vila do Conde, que está de frente para a baía e pode ser vista no canto inferior esquerdo da foto. A grande ilha a nordeste é o balneário de Mosqueiro, onde passei todos as minhas férias de verão, até a adolescência. Bons tempos aqueles...
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A partir deste post estou abandonando meu pseudônimo, Luciano Chardon (que usei em fóruns diversos por alguns anos), e passando a assinar com meu verdadeiro nome, Marcus Pessoa.
Minha participação na blogosfera, primeiro como comentador, depois como "dono" de blog, me permitiu conhecer várias pessoas inteligentes e espirituosas, chegando às vezes a um nível de amizade, e achei bobagem continuar me identificando com um nome que qualquer leitor de Balzac (como o Rafael Galvão) percebe imediatamente que é falso.
Também me causou forte impressão o artigo de Julio Daio Borges, no Digestivo Cultural, criticando aqueles que escrevem na net com pseudônimos. Embora eu nem de longe me enquadre nos casos patológicos descritos no artigo, percebi que quem assina o seu nome, dando a cara pra bater, acaba sendo mais respeitado. É isso.
por Marcus Pessoa, às 03:05 -
24 de junho de 2004
A volta triunfal do morcego
Batman Begins é o novo filme do justiceiro mascarado de Gotham. Como o próprio nome indica, trata-se de um recomeço de sua história, depois de quatro filmes que, apesar do sucesso comercial, deixaram muito a desejar como adaptação da mitologia do herói.O filme está sendo rodado nesse exato momento, e tem lançamento previsto para 2005. O diretor é o talentoso Christopher Nolan, de Amnésia. Bruce Wayne será vivido pelo respeitado mas pouco conhecido Christian Bale (de Psicopata Americano). O elenco é uma constelação de astros: Michael Caine (como o mordomo Alfred), Gary Oldman (tenente Gordon), Morgan Freeman, Liam Neeson, Rutger Hauer, e os emergentes Ken Watanabe ("O Último Samurai"), Cillian Murphy ("Extermínio") e Katie Holmes ("Vamos Nessa"). O roteiro foi considerado à altura do clima original do personagem.
"Tá tudo muito bom", mas eu não me sentia tranqüilo com o destino do meu ídolo dos quadrinhos até ver respondida a pergunta: como vai ser o uniforme do Batman? Depois daquela armadura estilo Robocop, e do inacreditável uniforme com mamilos em alto-relevo de Robin, era melhor colocar as barbas de molho.
Mas, como vocês puderam ver na abertura desse post, não há o que temer. O novo uniforme do homem-morcego, mostrado na foto publicada com exclusividade pela revista Newsweek, é quase uma cópia do layout imortalizado por Neal Adams nos quadrinhos dos anos 70. A roupa ficou apenas ficou mais escura e ganhou uma nova versão do clássico logotipo.
A magistral série desenhada por Adams e roteirizada por Danny O'Neal foi publicada aqui nos anos 80 pela editora Abril, e era uma tentativa de redefinir o personagem depois da esculhambação kitsch da série de TV. Ao mandar Robin para a faculdade e caracterizar Batman como um solitário detetive ao estilo noir, os autores resgataram o clima sombrio das primeiras histórias do morcego, que, como se sabe, adotou esse nome e uniforme para aterrorizar seus inimigos.
Com isso, prepararam o personagem para a revolução das décadas seguintes, quando Frank Miller ("Cavaleiro das Trevas" e "Ano Um"), Alan Moore ("A Piada Mortal") e Grant Morrison ("Asilo Arkham") literalmente desconstruíram o herói, tornando-o no mínimo um homem muito perturbado, e no limite um louco proto-fascista.
Não se espera que "Batman Begins" chegue tão longe, mas que pelo menos nos faça esquecer das canhestras tentativas de Tim Burton e companhia. Elas empobreceram o personagem ao recriá-lo sem conflitos existenciais, mesmo se tratando de alguém que se transformou em justiceiro para se vingar de uma tragédia, o assassinato de seus pais (cena omitida antes, mas que integrará o novo filme).
Não funcionou também a direção de arte exagerada e rococó dos filmes anteriores, e os vilões estavam sempre a dois milímetros da paródia deslavada. Dessa vez, Gotham será uma espécie de Nova York realista e ultra-tecnológica, e Ken Watanabe viverá o vilão Rã's Al Ghul, desconhecido do grande público mas presença de impacto nos quadrinhos, inclusive na série de Adams e O'Neal: um magnata oriental com conhecimentos místicos, que descobre a identidade secreta de Batman. Cillian Murphy terá um pequeno papel como o Espantalho, mas parece que só vestirá sua assustadora fantasia no segundo episódio.
É esperar para ver. Estou tentando, sem muito sucesso, não ler cada linha que sai publicada sobre o novo filme. Talvez o ideal seja esquecer de tudo isso e só acordar para o fato em 2005. Mas tá difícil.
por Marcus Pessoa, às 04:11 -
22 de junho de 2004
Arte efêmera
Eu não podia ficar indiferente a isso. A incrível reportagem fotográfica da revista Época dessa semana é de deixar qualquer um de queixo caído.Apesar do entusiasmo do público especializado, gente normal como eu e você não chega a levantar sobrancelhas para as últimas
O estilista paulistano usou papel vegetal cortado a laser para criar vestidos que parecem saídos de um sonho, inspirados no glamour de várias épocas e locais. Aliou a força do branco puro com uma caracterização impecável de suas modelos usando collants pretos e capacetes de bonecos Playmobil (quem já teve um brinquedo desses quando criança não tem como não se arrepiar com o resultado).
Nota-se que autor não se limitou a mimetizar vestidos "reais", mas adaptou-os para formas geométricas extravagantes e delicadamente irreais.
Isso pra mim não é só moda: é arte em toda a sua nobreza. Grande arte sim, mas com prazo de validade marcado pelo próprio artista: ao final do desfile, as roupas foram rasgadas em plena passarela, causando grande comoção na platéia, que urrava e se descabelava com o espetáculo. As próprias modelos já tinham chorado nos bastidores, ao serem informadas que deveriam destruir as peças.
Nakao (que tem formação de artes plásticas) justificou lindamente: "Eu queria levar emoção, fazer as pessoas pensar, entender que a moda é algo efêmero. Mas também falar do desejo por meio de peças refinadas e da inevitabilidade da perda, que culminou com as roupas rasgadas".
Evidentemente nenhuma das peças expostas será reproduzida para venda. O processo de criação da coleção e o próprio desfile foram registrados e comporão um DVD. As fotos são de Paulo Giandalia. Mais fotos no site da ABIT. O desfile foi notícia em alguns sites estrangeiros.
Depois de tanta arte conceitual sem noção nem emoção, de artistas que apenas expõem conceitos e não tocam o coração nem embelezam o mundo, coisas como essa ainda me fazem ter fé em algum tipo qualquer de vanguarda - palavra que já pareceu tão instigante e hoje é quase palavrão.
por Marcus Pessoa, às 00:32 -
19 de junho de 2004
The House of Love
Este post dá origem a uma série: Discoteca Básica, onde falarei, vez por outra, de alguns grandes discos da história do rock. Não quero me meter a crítico, apenas contar um pouco do impacto de cada obra em mim e naqueles que a escutaram. E citar principalmente discos que não sejam "arroz de festa" em listas semelhantes.Essa banda inglesa, The House of Love, é bem pouco conhecida do público. Quando seu primeiro disco ("The House of Love", simplesmente) foi lançado aqui em vinil, nos anos 80, lembro de ter lido uma resenha na extinta revista Bizz dizendo que o lançamento em si era um milagre, pois a banda era anônima até em seu país natal.
O Brasil vivia a febre do rock, pós-Plano Cruzado, e uma pequena gravadora, Stiletto, lançava as jóias do pós-punk e da new wave aqui, em edições encontráveis em qualquer magazine. Foi o tempo, para muita gente, de ouvir pela primeira vez Joy Divison, Nick Cave, Durutti Columm, The Fall e mesmo os discos menos conhecidos do New Order e Smiths.
Todo mundo comprou os seus bolachões, e um dos que mais causou impacto dessa leva foi o do House of Love (1988, Creation). Ninguém sabia nada sobre eles, mas não importava: o disco é uma coleção perfeita de canções de amor, intensas e ao mesmo tempo melancólicas; alterna rocks e baladas com equilíbrio, e tem melodias realmente apaixonantes.
O som é muito influenciado pela psicodelia sessentista, com "muros de guitarras", feedbacks, corinhos, etc, mas com uma energia e um peso vindos diretamente do pós-punk. O vocal de Guy Chadwick (também o principal compositor) impressiona, e todas as músicas são assobiáveis e tocáveis ao violão.
É difícil separar faixas, mas Chistine, que abre o disco e foi o único single, é um bom cartão de visitas para a banda: rock viajante com um belo arranjo em camadas, e que evolui para um êxtase de guitarras distorcidas. Man to Child é de chorar de tão doce. E Love in a Car também tem guitar walls, sendo talvez a melhor música do disco. (Clique no link acima para escutar um trecho de "Christine").
Se tivesse surgido hoje, a banda seria aclamada como a salvação do rock. Na ressaca pós-fim dos Smiths, passou despercebida, com pouco ou nenhum sucesso comercial, e uma sucessão infindável de singles fracassados e sessões de gravação abortadas, até terminar de forma melancólica em 1993. Chadwick ainda tentou vários projetos, solo ou acompanhado, também sem sucesso.
Mesmo assim, o House of Love deixou várias pérolas em discos posteriores. Além desse debut, quase não houve mais edições nacionais: Call Me (do derradeiro "Audience with the Mind") integrou a trilha sonora de Faraway, So Close! (Tão Longe, Tão Perto, filme de Wim Wenders), e I Don't Know Why I Love You (do disco de 1990) fez parte de uma coletânea brazuca chamada "College Rock". Duas belíssimas canções, por sinal.
"The House of Love", o disco, está fora de catálogo, mas foi incluído integralmente na compilação 86-89: The Creation Recordings, juntamente com todos os singles lançados no início da carreira da banda.
Dá para pesquisar a discografia completa deles no site The House of Love & Guy Chadwick, mantido por um fã. Segundo o site, a banda retornou para alguns shows no ano passado e está gravado um disco novo. É esperar para ver o que os quixotes apaixonados vão aprontar dessa vez.
por Marcus Pessoa, às 04:58 -
13 de junho de 2004
Nossos comerciais, por favor
Infelizmente terei que interromper a cobertura do festival (que já está terminando, inclusive). Estou trabalhando dia e noite para preparar um site que pode me dar um ótimo prêmio num concurso.Sair todos os dias para ver curta metragens, redigir as mensagens longas e pesquisar os links dá muito trabalho, e estou meio sem tempo pra isso. O blog deve ser atualizado apenas no próximo sábado, dia 19.
por Marcus Pessoa, às 00:14 -
9 de junho de 2004
Entrada com o pé esquerdo
Entre os vídeos institucionais apresentados na abertura do Festival de Belém, havia um da revista IstoÉ Gente. Talvez apropriado para o que foi a abertura: mais que um evento cultural, uma ocasião social para ver e ser visto. O Cine Estação lotou, com filas imensas à porta. Contando atrasos, discursos quilométricos e poses para fotos estilo "festa de quinze anos", o público só pôde assistir a Dezembro, o curta metragem que abriu o festival, quase uma hora e meia após o horário marcado.Aliás, por que será que, em eventos de cinema, ninguém fala de cinema, mas apenas de mercado, distribuição, patrocínio? Lembro de uma entrevista de Pedro Almodóvar no Roda Viva, onde o único cineasta presente na banca só fazia perguntas sobre isso. O único que realmente perguntava sobre cinema era o Leon Cakoff, tanto que Almodóvar foi ficando impaciente e a partir de certa hora só queria responder às perguntas dele.
Pois bem: Dezembro, do paraense Fernando Segtowick, abriu (em estréia nacional) o festival, e, metaforicamente, quase o fechou também. A decepção com o filme deve ter sido geral, menos para aqueles que já conheciam o igualmente fraco Dias, filme de estréia do diretor.
"Dias" desperdiçava Sandra Barsotti para contar três histórias se cruzando num acidente de trânsito. Dito assim, parece os filmes de Alejandro Iñárritu (e foi feito antes deles). Mas as histórias da mulher deprimida com seu casamento (Barsotti), da adolescente grávida abandonada pelo namorado, e outra que não lembro agora, não criavam qualquer empatia com o espectador, e se juntavam de forma arbitrária e sem sentido. O filme não saiu do zero a zero, a não ser pela bela trilha sonora da banda Epadu.
Em "Dezembro" a fórmula se repete, com a diferença que agora são umas cinco (!!!) histórias diferentes se atropelando em doze minutos. Algumas cenas apresentadas logo no início, umas sobre as outras, como a mulher grávida acariciando meigamente o barrigão, e o gângster falando agressivamente ao celular, sentado ao lado de uma piscina de uma pseudo-mansão, já mostram o que podemos esperar.
O filme é pessimamente sonorizado, e não se entende nada do que os atores falam; nenhum ator, aliás, se destaca; os cortes são abruptos; a história nunca fica inteligível, e tem mais um desfecho arbitrário unindo os diversos personagens, sem que se saiba direito por quê. Houve os aplausos protocolares, claro; parece que o filme foi parcialmente financiado pela Petrobrás; e mais não digo, pois o leitor já deve ter sentido o drama.
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Após, foi apresentado um trailer de seis minutos do longa metragem Conspiração do Silêncio, de Ronaldo Duque, que contará a história da Guerrilha do Araguaia, tentativa do Partido Comunista do Brasil de, no auge da ditadura militar, montar uma célula guerrilheira no sul do Pará.
O filme foi integralmente rodado em cidades próximas a Belém, tem Norton Nascimento no papel principal e vários atores paraenses como coadjuvantes. O próprio diretor veio a Belém para apresentar o trailer, e informou que o filme já está pronto e deve estrear por volta de setembro em circuito nacional.
O trailer impressiona pelo tom épico imprimido às cenas. A geografia particular da região ribeirinha da Amazônia parece ser apresentada de uma forma criativa, e as atuações em geral são promissoras.
O que me deixou ligeiramente incomodado foi a possibilidade do filme apresentar uma visão redentora e ufanista do movimento guerrilheiro - considerado um dos maiores equívocos da esquerda brasileira. Em uma cena vibrante, presente no trailer, uma personagem feminina faz, numa festinha na mata, um apaixonado discurso prevendo a vitória da revolução socialista no Brasil.
Tendo em vista o trágico resultado da guerrilha, só posso entender isso como uma ironia. Ou não? O diretor diz que tentou evitar "o risco de produzir uma 'versão oficial' da história, seja pela ótica do Partido Comunista do Brasil, seja pela das Forças Armadas". Mas na capa do site oficial o filme é apresentado como "um filme de amor ao Brasil", e vem recebendo uma extensa cobertura do portal Vermelho, site institucional do PCdoB. Esperemos para conferir.
Após o trailer houve ainda a projeção do longa Contra Todos, de Roberto Moreira. Porém, os atrasos superpostos e o adiantado da hora geraram uma debandada de boa parte do público. Como também tive que ir, fico devendo essa parte do relato (me falaram muito bem do filme, depois). No próximo post eu conto o segundo dia (ontem).
por Marcus Pessoa, às 01:11 -
8 de junho de 2004
Festival de cinema
Essa semana vai ser meio de maratona. Começou ontem o 1º Festival de Belém do Cinema Brasileiro, iniciativa pioneira dos paraenses Emanoel Freitas (produtor cultural) e Dira Paes (atriz). A programação é extensa e tentarei fazer uma cobertura dos principais eventos. O ícone acima indicará os posts sobre o assunto.A atriz Dira Paes é conhecida nacionalmente, pois, além de ter uma respeitável filmografia no nosso cinema, teve participações em algumas novelas e séries da TV Globo, vivendo atualmente a amiga de Cláudia Rodrigues no sitcom A Diarista.
E convenhamos, ela é uma graça, não? Até quem não gostou de Amarelo Manga, o polêmico filme de Cláudio Assis, há de admitir que ela está deslumbrante como a esposa crente de Chico Diaz, que muda radicalmente após ser traída. A atriz já ganhou os prêmios de melhor atriz no Festival de Brasília (por Corisco e Dadá, também fazendo par com Diaz) e melhor atriz coadjuvante no Festival de Gramado (por Noite de São João).
Na abertura do evento, ontem à noite, ela não pôde comparecer, pois está filmando com Jorge Furtado em Porto Alegre, mas mandou um simpático recado em vídeo, no telão.
O cinema paraense tem tido um certo impulso a partir de 1999, quando houve uma safra de curta-metragens filmados a partir de prêmios-estímulo da Prefeitura de Belém e do MinC.
O design é simples, mas contém boas informações (atualizadas até aquela época). O ponto alto da última safra foi a participação do filme As Mulheres Choradeiras, de Jorane Castro, na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes de 2001. Naquele ano, o curta paraense foi o único representante brasileiro no tradicional festival francês.
Eu pretendia fazer agora um relato da abertura do festival, mas já está muito tarde e eu preciso dormir. Continuo amanhã. Mas já aviso que não foi lá uma boa experiência...
por Marcus Pessoa, às 04:09 -
5 de junho de 2004
As razões do nick
Descobri recentemente, levado pelo Liberal Libertário Libertino, o blog do Rafael Galvão, que me impressionou pela ótimo texto e insights inspirados. Tem um post onde ele fala sobre sua experiência de montar cavalos, comparando com a vaidade dos que guiam carrões, que me deixou boquiaberto.Pois hoje ele se referiu ao meu nick, falando sobre Lucien Chardon de Rubempré, herói do maior romance de Balzac, "As Ilusões Perdidas". Sua análise desse grande personagem da literatura dispensa qualquer adendo de minha parte. Vão lá e leiam. Prefiro apenas contar como o nick nasceu.
Ele se originou na época em que eu freqüentava os grupos de discussão do UOL, que há alguns anos reuniam centenas de usuários fiéis, que gostavam de trocar informações sobre os mais diversos assuntos. Tinha muito companheirismo e ajuda mútua, mas também muita gente escrota e "barracos" virtuais.
Lá conheci um rapaz apelidado Raskholnikov ("Crime e Castigo"), e percebi que ele já usava o nick que era pra ser meu. Essa obra de Dostoiévski foi o livro que mais me marcou em toda a minha vida. Bem, acabei homenageando outro de meus heróis literários, adotando o nome de Luciano de Rubempré.
Assim como o protagonista de Balzac, no meu nome verdadeiro (o qual infelizmente fico lhes devendo) o sobrenome da minha mãe também é mais "nobre" que o do meu pai (já falecido há muitos anos), e até hoje eu uso o meu penúltimo nome como apresentação. Troquei para Lucien Chardon porque é mais curto e mais sonoramente francês. Voltei a aportuguesar o prenome porque ficavam achando que eu era mulher.
Update - Como você pode ver neste post, deixei de usar o pseudônimo, passando a usar meu verdadeiro nome.
por Marcus Pessoa, às 18:09 -