30 de outubro de 2004
Bin Laden vota Bush
Será que é só eu que estou achando a reaparição, qual um fantasma, de Osama Bin Laden, o fato mais importante dos últimos meses? Há 24 horas atrás já se sabia que existia um vídeo, mas é o conteúdo dele, revelado só ontem à tarde, que assombra. O fato, entretanto, não ganhou o destaque merecido no noticiário de ontem, nem aqui nem nos EUA.A leitura das palavras do terrorista saudita deixa uma impressão imediata: Bin Laden seqüestrou o discurso de John Kerry, fazendo críticas a George W. Bush que qualquer liberal norte-americano assinaria embaixo:
"A segurança é a principal parte da vida humana e liberais não negligenciam sua segurança, ao contrário de Bush".
"Eles [republicanos] criaram a 'lei de segurança interna' sob o pretexto de lutar contra o terrorismo. Bush, o pai, fez bem instalando seus filhos como governadores de Estados, e ele não esqueceu de transferir o expertise da fraude para a Flórida a fim de beneficiá-los nos momentos críticos".
"Eu nunca imaginei que o supremo líder abandonaria 50.000 pessoas nas duas torres à mercê de terríveis acontecimentos no momento em que elas mais precisavam dele, ficando mais preocupado com o que uma criança dizia sobre um bode e seu rabo do que com os aviões e os arranha-céus".
Ao final, uma tirada retórica de gênio, exigindo implicitamente a saída dos Estados Unidos do Oriente Médio:
"Sua segurança não está nas mãos de Kerry, nem nas de Bush, nem nas da Al-Qaeda. A segurança de vocês está em suas próprias mãos. Qualquer Estado que não mexer com nossa segurança certamente terá garantida sua própria segurança".
A vontade de influir na eleição presidencial norte-americana é óbvia, tanto ao mimetizar o discurso da oposição liberal quanto ao demonstrar claramente estar vivo e assumir a responsabilidade pelo 11 de setembro. Mas, se para o público americano ele é "mal" supremo, o inimigo nº 1, o tiro sai necessariamente pela culatra, sendo desqualificadas todas as críticas semelhantes feitas a Bush. Com isso, Bin Laden, em tese, fortalece a candidatura republicana; em outras palavras, Bin Laden vota Bush.
Se a manobra vai dar certo é que são elas. Ponho aqui duas interpretações possíveis para o senso comum de um cidadão:
"O terrorismo continua sendo uma grande ameaça. Temos que cerrar fileiras com nosso comandante-em-chefe. O discurso de Bin Laden é igualzinho ao dos liberais, eles não são confiáveis". Ou:
"Bush demonstrou ser um incompetente para prender nosso maior inimigo. Ele continua solto e nos ameaçando. Ele tenta influenciar nossa escolha, e essas críticas são muito estranhas. Até parece que quer que fiquemos com raiva dele e votemos no presidente".
Viajei na maionese? Não acho. Só não tenho a menor idéia de qual das interpretações vai ganhar mais corações e mentes nesses poucos dias que restam até a decisão dos destinos do império.
por Marcus Pessoa, às 05:40 -
John Kerry, economia e prismas morais
O Paulo, do blog F.Y.I., liberal de carteirinha, comentou o apoio da revista The Economist ao candidato democrata John Kerry. (Nos EUA, onde o vocabulário político é meio estranho, ele seria chamado de "conservador", pois "liberais" lá são a centro-esquerda de Moore & cia).Ele destacou, em suma: (a) que se surpreendeu pelos motivos da revista inglesa serem mais políticos que econômicos; (b) que apesar das falhas de George W. Bush na economia, a plataforma de Kerry é bem pior, ou seja, protecionista e xenófoba, o que seria emblemático pela escolha de Edwards como vice; (c) socorrendo-se em artigo do economista Steven Langsburg, que não existe diferença moral entre um racista que quer proteger os empregos dos brancos (princípio arbitrário da cor da pele), e um xenófobo que quer proteger empregos de seus conterrâneos (princípio arbitrário do local de nascimento).
Embora respeite as análises dele, divergi frontalmente. Republico aqui o comment que coloquei lá:
* * * * *
Eu acho muito natural que a Economist decida seu voto por questões políticas. Elas mais cedo ou mais tarde influenciam a economia, como por exemplo no caso da política republicana atual (aumento do preço do petróleo, explosão do déficit orçamentário por causa das guerras em seqüência, etc). Quando houve o acordo de Oslo, analistas previram um boom econômico em Israel e na Palestina, afinal quando não existem guerras o povo tem tranqüilidade para trabalhar. Difícil é fazer isso numa situação cada vez explosiva, resultado dessa política unilateral e belicista de W. Bush.
Você diz que Kerry é inconsistente sobre o Iraque, e eu concordo, mas acho que é difícil dizer algo consistente e ao mesmo tempo palatável, diante do caos instalado pela administração republicana e do conservadorismo do eleitorado. E todo mundo sabe que ele tem mais condições de restabelecer as alianças com os parceiros tradicionais dos Estados Unidos e favorecer, por exemplo, uma distensão na Palestina, que é um nó górdio sobre o qual a administração Bush nada fez, a não ser apoiar sem reservas a política israelense. Eu também acho que ele pode ser mais eficaz no combate ao terrorismo, pois não precisará desviar para atalhos (tipo, invasão do Iraque) que em nada acrescentam ao combate à Al-Qaeda (e até pioram as coisas).
Sobre a questão econômica: não conheço Edwards, não sei direito de sua ligação com os sindicatos, mas tenho minhas dúvidas se sua escolha foi uma sinalização de Kerry a respeito de uma política xenófoba. Afinal, o protecionismo comercial norte-americano tem sido sustentado por ambos os partidos ao longo das últimas décadas, e como você mesmo disse, Bush manteve esse viés. Não creio que com Kerry as coisas sejam tão diferentes.
Posso estar errado (e isso significaria prejuízo para o Brasil, por exemplo), mas ainda assim acho que vale a pena apostar, pois a alternativa é colocar pressão numa panela que já está prestes a estourar, em todos os lugares onde a administração Bush está agindo. Eu prefiro decidir pela política, nesse caso.
Por último, quero comentar o texto do Landsburg. Pra mim é um exagero evidente esse de não ver diferença moral entre "defender empregos para brancos" e "defender empregos no país" (e não no exterior). Levando às últimas conseqüências, não caberia às nações lutar para que os empregos permaneçam em seu território! Não caberia lutar para que os seus integrantes tivessem uma vida melhor...
Gostem ou não aqueles que analisam política por um prisma moral, as nações foram construídas em torno da idéia da autoproteção de um grupo. Você e os liberais talvez prefiram analisar a plataforma dos candidatos pelos seus paradigmas ideológicos, mas o fato é que a imensa maioria das pessoas não faz isso.
Não sei se entendi errado o que o Landsburg e você defendem, mas o fato é que um candidato a presidente de qualquer país, por mais honesto, competente, firme de idéias e popular que fosse, simplesmente não se elegeria se defendesse que tanto faz empregos em seu país ou no estrangeiro...
por Marcus Pessoa, às 04:53 -
29 de outubro de 2004
O suave bater de suas poderosas asas...
Meu amigo Saint-Clair pergunta, perplexo com a morte do jogador no meio da partida: "Então é isso a morte? Num segundo você está bem, no meio de uma partida de futebol, e de repente estremece, tomba e está morto?"E eu fico me lembrando de uma das mais lindas histórias de Sandman, onde ele acompanha sua irmã Morte em sua faina cotidiana de levar as pessoas desta para melhor. Em determinado momento ela pega um bebê do berço e o leva. O bebê pergunta: "é só isso?" e ela responde: "é".
Sandman está em crise existencial sobre sua própria função no mundo. Mas a forma mansa como sua irmã desempenha seu mister o acalma, e ao final ele faz algumas reflexões:
* * * * *
O som de asas... Eu me descubro especulando sobre a humanidade. A atitude deles quanto à dádiva da Morte é tão estranha... Por que eles temem as terras sem sol? É tão natural morrer quanto nascer. Mas eles a temem. Têm terror. Debilmente tentam aplacá-la. Eles não a amam.
Muitos milhares de anos atrás, eu ouvi uma canção num sonho, uma canção mortal que celebrava a dádiva dela. Eu ainda me lembro dela:
"A morte está diante de mim hoje:
como a recuperação de um doente,
como ir para um jardim após a doença
A morte está diante de mim hoje:
como o odor de mirra,
como sentar-se sob uma vela num bom vento
A morte está diante de mim hoje:
como o curso de um rio,
como a volta de um homem da galera para a sua casa
A morte está diante de mim hoje:
como o lar de um homem que anseia por ver,
após anos passados como um cativo"
Aquele poeta esquecido compreendia as dádivas dela. A Morte tem uma função a realizar. E eu tenho responsabilidades. Eu caminho ao lado dela, e as trevas se levantam da minha alma. Eu caminho com ela, e ouço o suave bater de suas poderosas asas...
por Marcus Pessoa, às 03:37 -
27 de outubro de 2004
Lidando com gente "normal"
Legal a potoca, né? Eu gosto muito do trabalho do Allan Sieber, e o blog dele só não está ainda na lista à direita em virtude da preguiça de atualizar o template.Não achei a piadinha ofensiva aos cristãos. É mais uma tiração de sarro com o tatibitate da geração MTV, mas mesmo assim recebeu uma enxurrada de mensagens, entre iradas e "piedosas", de centenas de cristãos ofendidos.
Tudo "normal", exceto pelo fato de que esse tipo de gente não freqüenta blogs de humoristas iconoclastas. No máximo vêem o Casseta e Planeta e acham que aquilo sim é que é escracho. Nem li sobre o fato, mas tenho certeza que a charge ficou, por um tempinho (duas horas, se tanto), na página inicial do UOL, que tem uma audiência absurda. Para centenas de cristãos assinantes ou apenas visitantes do portal, foi uma coisa pá-pum ver o desenho, se indignar, dar dois cliques e um esculacho no autor.
Isso já aconteceu também com Álvaro Pereira Junior, colunista do caderno Folhateen da Folha de S. Paulo, que escreveu um texto, comentando as novas estrepulias de Michael Jackson, cuja chamada foi parar na home do portal. Ele publicou uma outra matéria comentando o fato, e falando sobre as centenas de e-mails que recebeu por conta da inesperada popularidade:
"Não encontrei uma opinião inesperada, uma crítica bem-fundamentada, um texto com bom humor. Só o de sempre: mensagens cristão-moralistas, platitudes sobre a vida, elogios nada a ver, xingamentos idem".
Alguém já falou que, nesse mundo moderno, sobram opiniões e faltam idéias. É o que se vê nos fórums do Globo Online e nas caixas de comentários do Ricardo Noblat. Quando alguém tem idéias a apresentar, que não sigam estritamente o senso comum, e consegue alcançar uma audiência razoável, é logo chamado de "provocador"...
por Marcus Pessoa, às 12:30 -
21 de outubro de 2004
O Iraque não precisa de liberdade
Deve ser má influência do Alexandre, então admito logo: o título acima é uma provocação. Uma provocação barata, para o leitor se indignar e reparar no que o zé-ninguém aqui tem a dizer sobre o assunto. Já a Maitê aqui ao lado não é uma provocação, nem uma imagem sem nexo, mas isso eu explico mais embaixo.Tem sido muito criticada uma passagem do Farenheit 9/11, de Michael Moore, onde ele mostra uma vida calma, "comum", no Iraque pré-invasão americana, e depois o inferno que o país se tornou. Sofista! Manipulador! "Até parece que o Iraque era um paraíso com Saddam"... isso tem sido dito sem muitas variações por todo lado.
Não há a menor dúvida de que Saddam Hussein era um ditador sanguinário, que exterminava oponentes e tinha ambições imperialistas regionais. Não há a menor dúvida de que ele já teve um arsenal de armas químicas e planos de montar uma bomba atômica.
Mas também se sabe que o arsenal não existe mais, ou melhor, já não existia antes da investida bushiana sobre o país. Esse fato poderia ter sido verificado antes da guerra, se o governo americano tivesse dado tempo à equipe de Hans Blix. E também se tem certeza absoluta (sempre se teve, na verdade) que Saddam não tem qualquer relação com a Al-Qaeda.
Como Bush e os republicanos não têm mais como sustentar que Saddam era uma ameaça real para os Estados Unidos, partiram para outro discurso: que estavam levando a liberdade a um povo espezinhado por um ditador.
À parte o fato óbvio de que outros povos árabes, também espezinhados por ditadores, não têm recebido esse fervor libertário dos Estados Unidos (pois os tiranos em questão são seus aliados), fica uma pergunta que não quer calar: o que é pior, a santa paz celestial das ditaduras ou o caos de uma guerra civil fraticida, resultado direto de uma invasão militar justificada pela tal liberdade?
"Esse cara está abusando do relativismo moral", deve estar pensando você. Para me socorrer é que cito a atriz Maitê Proença. Sim, ela tem se mostrado uma excelente colunista na revista Época, e nesta semana publicou um artigo maravilhoso, que já começa direto ao ponto:
"A humanidade ama a ordem. Os americanos acham que o amor é pela democracia, mas não é. O homem prefere uma ditadura organizada à democracia baderneira".
Eu me lembro de receber, em 1983, um panfleto entregue por um militante estudantil na porta da minha escola, onde estava escrito que o Brasil era uma ditadura militar, que esmagava as aspirações populares e coisa e tal. Eu tinha 14 anos e olhei para o rapaz como se ele fosse maluco. Afinal, que raio de regime ditatorial era esse, que estava fazendo tanto mal, se a minha vida, e a de todo mundo que eu conhecia, era absolutamente normal, sem sobressaltos, sem nenhuma interferência maligna desse governo tão criticado?
Obviamente eu não tinha qualquer consciência política. Eu não percebia a manipulação da televisão em favor do governo, por exemplo.
Mas o fato é que as atrocidades da ditadura não chegaram até a porta da minha casa. E havia uma situação econômica razoável: minha mãe teve seu primeiro emprego de professora (aos 17 anos) ganhando seis salários mínimos, que era o salário normal de um professor iniciante. Dá pra ficar dizendo que o governo estava prejudicando alguém? O fato é que a vida estava boa para a gente.
Penso nos iraquianos lavando seus carros com gasolina, de tão barata que ela é num país tão rico em petróleo. Penso em milhões de iraquianos indo à escola, trabalhando, indo ao mercado, fazendo suas orações. O governo não era do Taleban, não obrigava as pessoas a seguirem regras fundamentalistas absurdas. Alguns desses milhões provavelmente desejavam que houvesse liberdade, mas, será que se dissessem a estes que o preço seria não-sei-quantos-anos de guerra civil, após uma invasão estrangeira, eles iriam achar isso (liberdade) tão importante? Pois, para os Marcus e Marias lá do Iraque, a vida estava boa.
Sim, ela ficou pior depois das sanções oriundas da primeira Guerra do Golfo, e isso se deu quando Saddam adicionou uma boa porção de caos à situação do Oriente Médio, com a invasão do Kuwait. O caos atrapalha a vida das pessoas, impede-as de trabalhar direito, impede-as de levar sua vidinha.
E tem sido isso que a doutrina Bush tem levado a um monte de lugares do planeta: caos. Uma confusão, gerada pelo embate de fundamentalismos, onde estar do lado certo parece mais importante do que fazer a coisa certa. Pois a coisa certa, nesse caso, não é impor seus valores, mas diminuir as tensões que provocam guerras, que provocam o caos que ninguém gosta. Mas o governo Bush tem adicionado mais pressão a uma panela que já está em ponto máximo, tanto na Palestina como na Venezuela, no Haiti, no mundo árabe inteiro, etc, etc, etc...
Então eu explico o título provocativo: não, é óbvio que eu não acho a liberdade uma coisa de somenos importância. Eu sou um libertário radical, mas a questão é: como chegar a essa liberdade? Muita gente bem melhor que eu já disse isso, mas o fato é que a liberdade não nos é dada de mão beijada, ela é conquistada. Você, que talvez não estivesse satisfeito com a ditadura militar brasileira, gostaria de ter seu governo derrubado por uma potência estrangeira, com milhares de mortos no processo, para que se restabelecesse a democracia? Eu não gostaria.
O Iraque precisa de liberdade, sim, é óbvio. O homem precisa de liberdade, mas, sou eu que vou impor a ele? Sou eu quem vai libertá-lo? Não, é ele que vai se libertar, se assim o desejar. A construção da democracia é um processo complexo, algo que nós, brasileiros, já deveríamos saber de cor e salteado, pois estamos vivendo um processo de construção da democracia riquíssimo nos últimos vinte anos.
O irônico da situação é que, no principal país do Oriente Médio onde está se dando um processo semelhante, seu governo está sendo apontado por Bush e companhia como integrante de um "eixo do mal". Sim, o Irã.
O Irã não tem ligações com a Al-Qaeda, não tem patrocinado investidas terroristas contra o ocidente, e tem vivido um processo fascinante de embate político entre conservadores e progressistas, dentro dos estritos parâmetros de uma sociedade profundamente islâmica. Depois de duas ditaduras (uma laica e outra religiosa), o Irã já é uma potência econômica regional e periga se tornar nos próximos anos uma grande democracia de massas. E o que Bush faz? Ameaças de levar para lá o caos que levou ao Iraque.
Para responder antecipadamente a qualquer acusação de relativismo moral, me socorro de novo em trechos do artigo de Maitê Proença, onde ela, ao mesmo tempo em que analisa serenamente a preferência da humanidade pela ordem, demonstra uma preocupação ética compartilhável por qualquer um:
"A Alemanha de Hitler é dos exemplos mais funestos desta preferência [pela ordem]. Hoje não gostam de falar nisso, mas na época, enquanto os métodos do ditador ordenavam e revigoravam uma economia despedaçada, trazendo tranqüilidade para a maior parte da população, os alemães acolheram seu nazi-líder de braços abertos".
"Quando um grupo terrorista ataca uma escola matando crianças indefesas (...), o mundo se enche de repulsa, porque fica difícil imaginar o que está por vir nesse cenário de horrores".
"Quando aconteceu, sem nenhum aviso, o ataque à base americana de Pearl Harbour, onde civis escutavam rádio e faziam churrascos com suas famílias, aquilo foi uma perfídia japonesa, nos moldes do terrorismo, que o mundo não perdoou".
Acrescento eu: o mesmo pode ser dito do ataque de 11 de setembro. A França, hoje tão execrada, estampou em manchetes: "somos todos americanos", oferecendo sua solidariedade à nação agredida covardemente; e não foi diferente entre as pessoas comuns de todo o mundo. Em menos de um ano e meio essa solidariedade já tinha se esvaído...
Nossa musa bi-semanal arremata, reclamando uma legitimidade ética com a qual o governo americano não parece preocupado hoje:
"Uma nação como os EUA, quando mente, mata, humilha e desrespeita a ética internacional em favor de interesses particulares, dá margem para o crime organizado, no mundo todo, autorizar-se a subir degraus na escala de crueldades. Se a meca da moralidade age de maneira espúria, ao terrorismo, que precisa escandalizar para chamar a atenção, sobram as portas do inferno".
E quem achar que esse texto é anti-americano, que vá ver se eu estou na esquina.
por Marcus Pessoa, às 00:37 -
19 de outubro de 2004
Meu nome é Kent... Clark Kent
A notícia ainda não foi confirmada oficialmente, mas um boato fortíssimo sacudiu a internet dando conta que o desconhecido ator Brandon Routh (foto) foi escolhido para o papel de Kal-El no novo filme do homem de aço.O diretor, Bryan Singer (X-Men 1 e 2), deu uma entrevista posterior à divulgação da notícia e não a desmentiu, o que pode ser um sinal de que ela é verdadeira. O diretor já tinha descartado a escalação de Jim Caviezel (A Paixão de Cristo), alegando que pretendia um ator desconhecido para o papel.
Routh fez apenas algumas participações em programas de TV na gringolândia. Seu pequeno site oficial está quase o tempo todo fora do ar, provavelmente em função do imenso acesso que deve estar sofrendo.
O curioso é que existem lá fotos dele vestido de Clark Kent, tiradas durante uma festa de Halloween. Elas ilustram as matérias linkadas acima. A que aparece nesta post é uma montagenzinha feita no Photoshop pelo autor destas linhas.
Talvez ele seja um pouco jovem, mas, sejamos sinceros, ele não convence como Clark? Respostas para a redação, quer dizer, para os comments.
por Marcus Pessoa, às 04:40 -
18 de outubro de 2004
Mais Haritoff
O leitor Rômulo Marinho comentou o texto de Elio Gaspari sobre o conde Maurício Haritoff, publicado aqui no Velho há dois meses, e adicionou preciosas informações e/ou correções a ele. Estou publicando exatamente como ele escreveu (se você não leu o texto original, não custa dar uma olhada antes de ler abaixo, afinal é uma história muito interessante):* * * * *
"A minha tia, irmã da minha mãe, casou-se com o neto do conde Maurício Haritoff e teve quatro filhos, todos com descendência carregando o sobrenome Haritoff. O Ivan mencionado no artigo, que morreu, era tio do meu tio, e minha mãe o conheceu quando ele freqüentava a casa da minha tia. Depois desapareceu e ninguém nunca soube do seu paradeiro.
Sobre a 'negra' Regina houve um equívoco muito grande, talvez na ânsia de romantizar ainda mais a história e torná-la mais atrativa aos olhares brasileiros, dizendo que ela era negra e ex-escrava. Minha mãe a conheceu também e ela era filha de índios, e não de negros, e nunca havia sido escrava. Era filha de um empregado da fazenda, tinha traços finos, olhos puxados e cabelos escorridos.
Quando eu era criança ouvi varias histórias contada por minha tia. E a mais intrigante era que esse homem excêntrico tinha um mordomo na casa grande da fazenda Aliança, que servia a mesa e abria a porta, e que era um macaco. Isso mesmo: um macaco.
Se era um chimpanzé grande ou um gorila eu não sei, mas só sei que numa noite chuvosa um casal de amigos veio visitar o conde, e quando seu mordomo (o macaco) abriu a porta a mulher se assustou, e seu marido atacou o macaco com seu guarda-chuva. Para evitar a ira do macaco o conde Maurício acertou-lhe um tiro matando-o. A partir de então ele cortou relações com esse casal causador de muita magoa pela morte de seu adorado mordomo.
Sobre a fazenda que o conde, sua Nicota, e depois dona Regina e seus filhos moraram, era a Santa Aliança, em Piraí e nao em Barra do Piraí, embora os Breves possuíssem muitas fazendas em Barra também.
A casa deles em Laranjeiras atualmente é, salvo engano, a escola Rodrigues Alves, e não José de Alencar. A casa, embora preservada, encontra-se completamente descaracterizada, não mantendo nem um pouco da suntuosidade que possuía na época em que residiram lá.
Os descendentes do conde e de dona Regina encontram-se morando em Niterói e no Rio".
* * * * *
O site indicado no texto de Gaspari não está mais no ar, depois da "hecatombe" havida com os sites hospedados no portal lusitano Terravista. Infelizmente só fiquei sabendo isso hoje, quando o texto sobre Haritoff não está mais no cache do Google.
por Marcus Pessoa, às 03:50 -
14 de outubro de 2004
Quando tudo começou
O Alexandre fez mais um dos posts provocativos dele, dizendo, entre outras coisas, que, por definição, nenhum monoglota é inteligente. Eu, um monoglota que já sabe o quanto se perde na vida por não se saber outras línguas,* * * * * * * *
QUANDO TUDO COMEÇOU
Estréia "Vestido de Noiva" (23/12/1943)
por Nelson Rodrigues
No terceiro sinal alguém veio me soprar: "A melhor platéia do Brasil". E começou a peça. Nove e meia, se bem me lembro. Numa pusilanimidade total, fiquei no fundo de um camarote, arriado. Platéia, balcões nobres, frisas e camarotes lotados. Eu não via, nem queria ver nada. Muitas vezes, tapava os ouvidos, doente de medo. E o pior foi o silêncio do público todo o primeiro ato. Ninguém ria, ninguém tossia. E havia qualquer coisa de apavorante naquela presença numerosa e muda.
Termina o primeiro ato. Três palmas, se tanto, ou quatro ou cinco no máximo. Gelado, imaginei que seriam palmas das minhas irmãs, dos meus irmãos. Continuei no fundo do camarote, cravado na cadeira. Repetia para mim mesmo: "Fracasso, fracasso!"
Termina o segundo ato. Menos palmas. Imagino: "Até minhas irmãs têm vergonha de me aplaudir". Pongetti tinha razão. "Vestido de Noiva" era o caos. A platéia estava furiosa com o caos. Até que baixa o pano sobre o final do terceiro ato. Silêncio. Espero. Silêncio. Ninguém bate palmas, nem minhas irmãs.
Ainda silêncio. Atônito, pensei em Roberto Marinho que estava no camarote, ao lado. Devia estar me achando uma besta. E, de repente, começaram palmas escassas e esparsas. Um aplaudia aqui, outro ali, um terceiro mais adiante. Atracado à cadeira, sentia-me perdido, perdido. Mas via a progressão. Focos de palmas, em vários pontos da platéia. E, súbito, todos acordaram do seu espanto. Ergueu-se o uivo unânime.
Os aplausos subiam até a cúpula e multiplicavam as cintilações do lustre. Era como se o grande Caruso tivesse acabado de soltar um dó de peito. Os artistas iam e voltavam. Porteiros levavam corbeilles. Veio Ziembinski, arrastado, de mangas arregaçadas, com o suor de gênio da fronte alta. E, súbito, uma voz (possivelmente a de José César Borba) se esganiça: "O autor, o autor!" E não foi só o César Borba. Muitos outros, inclusive mulheres, pediam, exigiam: "O autor, o autor!"
Minha irmã Helena veio me buscar no fundo do camarote. Eu, que me esvaía em suor, gemi: "Não, não!" E ela: "Vem, vem!" Não podia explicar, ali, que eu entrara no Municipal um pobre-diabo; e ainda não me sentia o autor glorioso. Helena, porém, crispada de vontade, arrancou-me da cadeira. Lívido, apareci na varanda do camarote.
Pensei: "Roberto Marinho deve estar impressionado". Esperava eu, e esperavam minhas irmãs, que a platéia se voltasse para mim e todos gritassem: "Ele, ele!" Mas o que em seguida aconteceu foi muito parecido com um pesadelo humorístico. Estava o autor, em pé, no camarote, pronto para receber a apoteose. E ninguém me olhava, ninguém. Era como se eu não existisse, simplesmente não existisse.
A platéia exigia o autor, mas virada para o palco, de costas para mim. Senti como se fosse um puro espírito, que vaga, invisível, inaudível, por entre os vivos. Deu-me a vontade furiosa de gritar: "Sou eu! Sou eu!" E nada. Por que os artistas do palco não apontavam: "Ali! Ali!" Por um minuto, sem fim, fui excluído da apoteose e me senti um marginal da própria glória. Recuei para o fundo do camarote, dilacerado de vergonha e frustração.
Quando saí do camarote, o primeiro a me abraçar, radiante, foi Roberto Marinho. Em seguida, Sílvio Piergile, o maestro. E ambos disseram: "Formidável!" Mas fora o Roberto Marinho e o Sílvio Piergile, ninguém via em mim o autor. Uma senhora ia na minha frente, com uma graça lânguida e nostálgica: "As mulheres só deviam amar meninos de 17 anos". Vou descendo; no meio da escadaria, um velho me abraça; diz trêmulo: "Não perdi um enterro de sua família". E me beija. Embaixo, sou envolvido, abraçado, quase raptado. Álvaro Lins me puxa pelo braço: "Vem cá que eu quero te apresentar o Paulo Bittencourt". Lembro-me exatamente das palavras de Paulo: "Sua peça é extremamente interessante". Alguém ciciou no meu ouvido: "Genial!" Isso, dito baixinho, como se fosse uma obscenidade, deu-me vontade de chorar.
Mas tinha que abraçar Ziembinski, o elenco. Fui para a caixa. Quando entrei, vi uma multidão. Ziembinski berrou: "O autor!" Recebi uma ovação espantosa. Ah, eu estava emocionalmente exausto, as pernas bambas, a vista embaçada. Abraço, longa e desesperadamente Ziembinski. Ah, o polaco (ninguém o chamava de polonês, mas de polaco), o polaco dera ao que parecia o caos uma ordem translúcida e perfeita. Depois de Ziembinski, saí abraçando os intérpretes um por um: Evangelina, Carlos Perry, Graça Mello, Expedito Pôrto, Carlos Mello, Isaac Paschoal. Do alto do camarote, eu era fisicamente desconhecido. Agora, não. Ziembinski me apresentara. Da caixa do teatro até a porta dos fundos, não dei um passo sem esbarrar, sem tropeçar numa admiração patética.
Finalmente, desvencilhei-me dos admiradores e cheguei à rua. Estou andando na calçada da Avenida, e atravesso a Almirante Barroso, vou na direção da Galeria Cruzeiro. Sentia-me boiar entre as coisas. A glória era recente demais. Uma hora antes, eu não passava de um pobre rapaz, que ganhava setecentos mil réis mensais (quinhentos na folha e duzentos por fora). E as coisas me pareciam de uma irrealidade atroz. Até a Avenida era irreal, e os edifícios, e as esquinas. Longe, na Praça Mauá, os mastros sonhavam.
No próprio edifício do Liceu de Artes e Ofícios, quase ao lado de "O Globo", havia uma casa que era, a um só tempo, leiteria e restaurante. Lá serviam um prato chamado "Almoço Nevado", típico da classe média. Era um bife, que podia ser acompanhado ou de batatas fritas ou de dois ovos estrelados, com arroz. E mais: manteiga, pão e um pudim de sobremesa. Tudo, ao preço compassivo, generoso, de doze mil réis. Entrei na leiteria deserta, sentei-me num canto. Disse, sem olhar o menu: "Traz um Almoço Nevada, com batatas fritas".
Primeiro, o garçon trouxe pão e manteiga. Comecei a comer com sombrio elán. Tinha, na imaginação, o lustre do Municipal, ardendo em cintilações delirantes. O garçon voltou. Pôs o prato na mesa. Digo-lhe: "Traz mais pão, que eu pago por fora. Manteiga também, sim?" Eu continuava febril de sonho. Mas o prato estava diante de mim. O bife era a vida real.
por Marcus Pessoa, às 01:35 -
9 de outubro de 2004
Copiando estilo alheio
Blog: quiéquiéisso, seu trânsfuga, incoerente!!! Há alguns dias você disse que é agnóstico, e no texto aí embaixo, admite que rezou (pra quem, pelamordedeus? pro João Havelange?), que pediu que o Brasil empatasse com a Itália.Eu: você tem razão. Ou não. Saint-Clair Stokler também tem problemas assim. Vão lá e vejam se não é uma lástima. Repito pra você o que disse a ele, em solidariedade: "Não sei se sou agnóstico ou deísta, imagine decidir se tenho valores cristãos ou não, leitor oblíquo e interessado tanto na Bíblia como em Nietzche".
* * * * * * * *
Achei que estava copiando o estilo do Sérgio Faria, mas penso que esse plágio foi ainda mais descarado. De quem, de quem? É tanto cara bom escrevendo na net que eu esqueço... Umberto Eco já está quase aderindo aos apocalípticos quando se trata de "overdose de informação na internet"...
por Marcus Pessoa, às 04:01 -
Futebol, paixão arrevezada
A propósito de dois posts iluminados de Adailton Persegonha no Leite de Pato, ambos falando de futebol, eu inauguro a fase preguiçosa desse blog colocando dois comments que estão lá, mas achei bons o suficiente para estar aqui também (reescritos un poquito).Bem, eu nunca fui um bom jogador de futebol. Eu nunca soube jogar, nem de goleiro. Bem, de goleiro eu até fiz alguma coisa, mas sempre fui meio que uma negação. A bola parecia um amor não-correspondido. Eu sou, como o Persegonha, vascaíno (de pai, mãe e avós), mas não consigo me apaixonar tanto por time como ele, pois a minha paixão maior é aquele momento anárquico onde a bola parece que "escapou" da trajetória normal, sem querer, mas foi o artilheiro, ou armador, como que invisível-por-um-segundo, que permitiu essa falsa impressão, essa prestidigitação. Em resumo: eu sou um torcedor traíra, eu gosto de futebol bem jogado venha de onde for.
Fui obrigado, certa vez, a ir com um amigo para a torcida do Flamengo, num Vasco x Flamengo por volta de 1997 (ambos tínhamos ido ao Rio pra ver os sensacionais shows de Smashing Pumpkins e Cure no Hollywood Rock). Ele disse que não ia de jeito nenhum para a torcida do Vasco, e pra não brigarmos o acompanhei. Foi zero a zero, embora o Flamengo tenha jogado melhor e Romário tenha entrado três vezes na área sozinho. O problema (ou melhor, a solução) é que do outro lado estava Carlos Germano em grande fase. Bem, estou admitindo que sou um torcedor traíra, pois eu achei muito linda a devoção do pessoal rubro negro pelo time. Eu achei lindo cantarem músicas o tempo todo (o hino do clube inclusive, inteirinho), sem qualquer charanga de apoio. O Flamengo não se notabiliza por ter torcidas organizadas fortes, há que se notar.
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Mas digressiono. Quero apenas publicar dois comments que coloquei lá. No primeiro post, Persegonha faz uma ode sem reservas a Pelé, a propósito do documentário Pelé Eterno. E eu gostei...
"...muito de seu enfoque, principalmente porque você não fez como a maioria da cri-cri-crítica que só malhou o filme em si, esquecendo às vezes de chamar a atenção para o mito Pelé. Eu ainda não vi o filme, mas acredito piamente que, se ele for uma droga, mesmo assim as imagens do mito já valerão a pena, e muito.
Bem, eu vi um jogo do Barcelona onde Ronaldo, há uns anos atrás, parecia enganar os adversários só com a força do pensamento. Eu vi o momento exato em que Bebeto e Romário trocaram dados telepáticos pra fazer um lindo gol naquela pífia campanha de 94. Após o gol, as câmeras captaram a nítido cena (sem áudio) de Bebeto dizendo "eu te amo" para o colega. Coisinha fofa, não?
Cito esses momentos como uma comparação. Se hoje grandes jogadores brasileiros conseguem dominar os adversários só pelo fato de ter certeza de ser gênios, aparentemente nunca mais haverá gente a desafiar as leis da física como Pelé e Garrinha. Mas eu não fico tão triste com isso, só de ter essas imagens de arquivo já recebemos um pequeno sopro dos deuses".
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O segundo post foi sobre um jogo magnífico (que eu me lembro também, não com tantos detalhes) naquela fatídica Copa de 1982 (aquela onde o melhor time, disparado, caiu nas quartas). Zico, Falcão, Sócrates, Junior, Serginho, etc, deram olé na Argentina campeã do mundo e com Maradona. Acabei me lembrando de um jogo, pra mim, muito mais marcante, justamente a tragédia de alguns dias depois:
"Eu era muito novo nessa copa de 82, e foi a primeira que acompanhei inteirinha. Eu tinha a absoluta certeza que o Brasil ia ser campeão, e não consegui continuar a ver o jogo com a Itália depois do terceiro gol de Paolo Rossi. Parecia um pesadelo. Fui para o quarto angustiado, ouvindo a gritaria do pessoal e tentando rezar e pedir apenas que se fizesse justiça. No último minuto alguém jogou uma bola na trave da Itália, parece. Meu coração quase parou. Quando ouvi que não tinha sido gol, comecei a chorar. De verdade.
Perdi minha inocência nesse dia. A gente fica meio perdido quando, na única coisa importante no mundo em que nosso país é incontestavelmente o melhor, a sorte é tão traiçoeira, e os deuses tão caprichosos. Mas, enquanto você, eu e nós outros estivermos vivos, ninguém vai esquecer que aquele time foi um dos maiores times da história do futebol".
por Marcus Pessoa, às 03:22 -